sexta-feira, 3 de julho de 2009

As diferentes faces da Leitura

Este trabalho tem como objetivo apresentar como a leitura e o leitor foram vistos ao longo da história de maneiras tão radicalmente distintas.
A abordagem pragmática é a abordagem que se ocupa do leitor. Existem estudos literários que ignoram totalmente o leitor e existem também os que o valorizam, ou até mesmo o colocam em primeiro plano na literatura, eles correspondem a literatura à leitura. Vemos, então, duas opiniões a respeito da leitura muito divergentes. A crítica científica e a histórica, por exemplo, não viam com bons olhos o que elas chamavam de crítica impressionista. Essa última expressava seus sentimentos e opiniões pessoais sobre a literatura, nas crônicas dos jornais e revistas. Era então uma crítica totalmente subjetiva. Anatole France, um dos principais críticos impressionistas dizia: “Para falar francamente, o crítico deveria dizer: Senhores, eu vou falar de mim, a respeito de Shakespeare, a respeito de Racine.” Tal frase soa bastante interessante pois o leitor se identifica claramente com a obra. Há então uma interelação entre o leitor e a obra.
Em contraste a essa leitura subjetiva temos a leitura objetiva. Inclusive essa última afirma que não é leitura. Lanson, um dos representantes dessa leitura objetiva, que se pretende ser culta, diz: “O exercício da explicação tem como objetivo e, quando bem praticado, como efeito, criar nos estudantes o hábito de ler atentamente e interpretar fielmente os textos literários.” Ou seja, vemos que nessa leitura objetiva, a interpretação pessoal, assim como o gosto pessoal são claramente deixados de lado. Podemos, inclusive, caracterizar tal leitura objetiva como uma leitura fria, na qual o gosto e o sentimento não aparecem e não devem aparecer. Podemos até dizer que se trata de uma análise fria da obra literária. Se pararmos pra pensar e aí, expresso a minha opinião pessoal, se analisarmos uma obra partindo desse ponto de vista, frio, objetivo, podemos até enxergar que, de fato, se trata de uma leitura autêntica já que não vamos deixar o nosso gosto pessoal interferir e, assim, dizer que a obra não é boa, sendo ela na verdade boa, mas como o assunto não nos interessa, julgamos não ser boa. Isso me fez lembrar de um conhecido que uma vez comentou: "eu não gosto de Paulo Coelho... aquela coisa de esoterismo... eu detesto dessa coisa de esoterismo... mas tenho que admitir que ele escreve bem". Isso ilustra bem a questão proposta do texto, apesar de ele dizer que não gosta do autor por não gostar do assunto sobre o qual ele escreve, ele soube deixar o gosto pessoal de lado, ou seja, a leitura subjetiva dele de lado, para apreciar as qualidades do autor como escritor e, consequentemente, soube ver a qualidade do livro como obra literária, ele soube usar da leitura objetiva do texto, que deixa de lado o gosto pessoal do leitor.
Mallarmé, negando a leitura, diz em seu “Quant au Livre”(Quanto ao Livro), que "o livro não necessita nem do autor nem do leitor para existir, ele existe por si mesmo, sendo ele próprio. Do mesmo modo que a escritura da obra moderna não pretende ser expressiva, sua leitura não reivindica identificação por parte de ninguém".
A exclusão do leitor foi principalmente formulada pelos New Critics americanos do entreguerras. Estes defendiam que a leitura deveria ser objetiva, fechada, chamada close reading. Seu lema era “um poema não deve significar, mas ser”. Eles recomendavam que o poema deveria ser analisado minuciosamente, parte por parte, para que os significados fossem retirados. Eles pregavam que o leitor devia, a todo custo, se desvencilhar da “ilusão afetiva”(affective fallacy), que para eles era equivalente a ilusão intencional (intentional fallacy). Vemos então que há a leitura que pode iludir o leitor. Por exemplo, um leitor que se interessa muito por um determinado assunto ou se identifica com a própria personalidade do autor do livro, pode ler esse livro e considerar uma obra-prima, sem esse ser de fato uma obra-prima. A leitura no caso iludiu o leitor ou o leitor mesmo se deixou iludir.Windsatt e Beardsley, dois dos New Critics, afirmam: “A ilusão afetiva é uma confusão entre o poema e seus resultados (o que ele é e o que ele faz)".
Um dos fundadores do New Criticism, o filósofo I. A. Richards inicialmente era a favor da leitura empírica, subjetiva, na qual o leitor leva em conta o seu gosto pessoal e sentimento para analisar uma obra literária. Mas depois, Richards, adotou uma postura totalmente antisubjetivista através do experimento com seus alunos de Cambridge, que relatou no livro Practical Criticism, (Crítica Prática, 1929). O experimento consistiu em os alunos comentarem livremente poemas que Richards os apresentava, sem citar o nome do autor. Os alunos deveriam ler sucessivamente os poemas, no mínimo quatro e no máximo doze vezes e então anotar as reações que tinham a cada leitura. O resultados foram de uma maneira geral catastróficos. Se caracterizaram principalmente pela presença de imaturidade, arrogância, falta de cultura, incompreensão, clichês, preconceitos, sentimentalismo, psicologia popular etc. Todas essas deficiências se tornavam um problema para o leitor, que não conseguia assim compreender o verdadeiro sentido do poema. Ao contrário de muitos críticos, que acreditavam que para os “maus leitores” não havia solução, Richards manteve contra tudo e todos, a convicção de que tais deficiências da leitura poderiam ser eliminadas através da educação. Richards afirmava: “A poesia pode ser desconcertante, obscura, difícil, ambígua, mas o problema principal está com o leitor, a quem é preciso ensinar a ler mais cuidadosamente, a superar suas limitações individuais e culturais, a respeitar a liberdade e a autonomia do poema.” Ou seja, essa teoria bem longe de questionar os princípios do New Criticism reforçava a necessidade da leitura fechada, objetiva, que não leva em conta a opinião e o gosto pessoal do leitor.
A crítica em relação ao leitor sempre foi levada em conta em diversos estudos literários, como no positivismo, no formalismo, no New Criticism e no estruturalismo. O leitor empírico, a má compreensão, as falhas da leitura perturbam todas essas abordagens, quer digam respeito ao autor ou ao texto. Ou seja, fazendo uma má-leitura podemos julgar uma obra boa, como ruim assim como considerar uma obra ruim como boa. Por isso, todos esses métodos têm a predisposição de ignorar o leitor ou, como Richards fez, formulam uma própria teoria como uma disciplina da leitura ou uma leitura ideal, com o propósito de eliminar as falhas.
Acho todas essas questões muito interessantes e que poderia haver ainda uma longa discussão sobre o assunto. Esse texto me fez enxergar que, ao lermos uma obra literária, devemos ter cuidado ao a julgarmos como boa ou ruim pois, tal julgamento, pode se tratar de uma ilusão afetiva ou mesmo de falhas na leitura.

Aluna: Marília Azevedo DRE:105085878 Turma Teolit IV 9:20 às 11:00h

Bibliografia:

COMPAGNON, Antonie. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG,2003

Um comentário:

  1. Muito bom trabalho, Marília. Bem argumentado, com estilo próprio, voz própria. Está bem escrito também. Achei que você poderia ter ido mais adiante, abordando os autores da Estética da Recepção, Iser, Jauss, Fish, mas isso não comprometeu seu texto. Parebéns e boas férias.

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