domingo, 5 de julho de 2009

A percepção do romance de terror gótico através da estética da recepção

ESTE TRABALHO FOI COPIADO DE http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno12-10.html...




A percepção do romance de terror gótico através da estética da recepção
(Frankenstein de Mary Shelley)


A Estética da Recepção considera a literatura um sistema que se define por produção, recepção e comunicação, tecendo uma relação dialética entre autor, obra e leitor. Não revitaliza a noção de produção e representação, bases da estética tradicional. Destaca que o ato de leitura tem uma perspectiva dupla na dinâmica da relação obra - a projeção desta obra pelo leitor de uma determinada sociedade. Interessa-se pelas condições sócio- históricas que formularam as diversas interpretações que o texto ficcional recebeu, e assinala que o discurso literário é o resultado de um processo de recepção ao mover a pluralidade destas estruturas de sentidos historicamente mediadas.

Frankenstein, de Mary Shelley (1999) abriu uma nova perspectiva para um novo tipo de gênero romanesco, mais tarde conhecido como ficção cientifica. Este texto permite preencher vazios explicitando as relações de poder e a subversão destas relações numa ficção que deixa vir à tona o processo que marcou a tradição romanesca e a fundamentação sólida da sociedade moderna.
A Estética da Recepção permite compreender o sentido e forma da obra literária pela variedade histórica das suas interpretações. Exige, por outro lado, que a obra individual seja introduzida na seqüência literária adequada, o que permitirá reconhecer o seu papel histórico no contexto das experimentadas pela literatura "séria" e poderemos captar todo o seu potencial criativo, Os textos teóricos selecionados nos permitirão uma leitura mais atenta da importância cultural, filosófica, psicológica e ideológica do modo.
O estilo gótico, deslanchando novas formas do bizarro em meio aos ideais de harmonia clássica, decoro público e normas comportamentais, afirma o poder de uma literatura da desrazão silenciada pelas Luzes e apoiada em noções sobre o belo, o prazer, o gosto e o bem que irrompem na arte do horror. O gótico se presta a essas idéias, ao transportar para a ficção motivos irracionais, mistérios insondáveis, a expressão do numinoso.
A literatura gótica vincula-se ao Sublime, não somente pelos padrões de imagens convencionais, mas também pela rede de relações psicológicas reconhecidas anteriormente por Longino, cuja poética inovou uma teoria verdadeiramente afetiva da literatura. O poder da retórica domina o Sublime quando a linguagem do poeta, trabalhada, evoca no ouvinte / leitor um entusiasmo correspondente. As palavras distanciam-se de seu contexto denotativo e se investem da experiência da singularidade. O Sublime é o ponto mais alto e a excelência do discurso que tenta não a persuasão, mas o arrebatamento do ouvinte.
Longino e os filósofos que se ocuparam com o estudo e a regulamentação de uma Poética do Sublime afirmam um aspecto mais sombrio que se desenvolve nesta época, quando tentam moldar a experiência individual além do controle da consciência. As discussões, no final do século XVII, refletem uma atmosfera cada vez mais gótica, associada ao modo sombrio, melancólico, passional. O temor e o terror são a fonte profunda do prazer e do poder estético.
Qualquer coisa que seja terrível em relação à visão é também Sublime, e certa obscuridade é necessária para transformar qualquer coisa em terrível. Se, na experiência sublime tudo é incerto, sombrio, confuso, terrível, talvez o terror resulte do fato de que na sombra, na escuridão, é impossível distinguir onde as coisas começam e terminam. Subjetivamente, o terror é causado quando somos incapazes de distinguir o Eu do Outro, ou por tornarmo-nos incertos da divisão do que é e do que não é o Eu.
O texto ficcional adquire sua função, não pela comparação ruinosa com a realidade, mas pela mediação de uma realidade que se organiza por ela e o gótico apresenta uma realidade permeada pela obsessão da morte, da violência, da perversão sexual, do macabro e do sobrenatural, que exploram uma psique coletiva, ponto culminante de transformações sociais
O gótico e suas convenções chamam a atenção do leitor, ao descortinar um modo de falar sobre a relação da linguagem que problematiza as relações urbanas sociais e sexuais, que se movem entre o jogo de velar e desvelar, especularmente, tratando-se da passividade e da vitimização da mulher nesse novo panorama. O modo não vai transformar o real em ficcional, mas vai propor uma transcrição da visão de mundo que se orquestra a partir de desordens que abrem para o novo homem urbano um quadro aterrorizante.
Essas idéias transcritas acima ajudam a compreensão da literatura gótica e em como esta se apodera da Historia para mostrar seus desvios, com um espaço que afirma um presente dissoluto, vislumbra um alhures e cria uma arquitetura para reafirmar as regras de um espaço ameaçado pela nova sociedade. Essência indefinível, sugestão e maneira de captar o mundo na fruição da duplicidade, perversão ou realização de uma poética fundamentada sobre uma estética do efeito, o gótico apresenta imagens discordantes de uma realidade que se interioriza e marca mudanças nas metáforas descritivas da criação artística.

Frankenstein

Mary Shelley, filha de dois escritores, William Godwin e Mary Wellstonecraft, encontrou nos pais o auxílio para formar sua personalidade literária. Bastante versada na cultura de seu tempo, a jovem cria a primeira obra de ficção cientifica, inaugurando uma nova era. A primeira vista, o livro parece oferecer uma serie de valores românticos típicos do século XIX, refletindo as idéias revolucionarias e não-convencionais. Uma leitura mais atenta, porem, sugere que estes mesmos valores são questionados pelos principais acontecimentos do enredo.
Mary Shelley trabalha a interação obra e mundo, apresentando uma obra que pode ser lida de diversas formas. Produzida num contexto que via surgir o declínio do poeta como demiurgo, o ato de criar toma a direção da fantasia sobrenatural, fugindo de uma concretização esquematizada. E isto tem a ver com a depreensão do imaginário e sua natureza pois
O difuso do imaginário e a condição para que ele seja capaz de assumir configurações diversas, o que e sempre exigido pois se trata de tornar o imaginário apto para o uso. A ficção e a configuração apta para o uso do imaginário (porque) cria possibilidades dele se organizar, mas provoca tematizações pragmáticas correspondentes. (/..) A ficção é a configuração contrafactual da realidade existente; ela ultrapassa os limites dos dois planos - imaginário e real". (Lima, 1983: 379).
Mary Shelley trabalha esta dialética do imaginário e propõe três narrativas que se interconectam, contadas por homens totalmente destituídos do sentimento de vida familiar. Cada um deles apresenta a perspectiva de negação desta experiência. Walton, Victor e a criatura são seres que problematizam o TER da vida burguesa. Walton está determinado a encontrar regiões no Pólo Norte para nelas viver e deseja partilhar sua descoberta com a humanidade, da mesma maneira que Victor. Os dois se encontram - duplos/parceiros no isolamento. Victor, para gerar uma vida artificial se exila da humanidade, dos confortos da casa, da noiva. Incapaz de confessar seus atos, não consegue avisar sua família do perigo que a ronda. A criatura, centro da narrativa, por sua vez esta colocada como um marginal na sociedade; sem família, apreende o mundo pelos livros e, enfurecido por comportamentos para ele incompreensíveis, aniquila todos que possam contribuir, de alguma forma, para com a vida feliz de seu criador.
Vivendo numa época que já mostra os sinais da decadência de uma ordem que não satisfazia as demandas do real, Mary Shelley parece impregnada das idéias da mãe e delas se serve para criar uma fantasia que fale sobre os efeitos periculosos e perniciosos da manutenção rígida das esferas masculina e feminina do domínio público. Trabalho x lazer, razão x imaginação são a tônica que impulsionam subversivamente o real ficcional. Inocência x marginalidade são eixos que determinam os narradores.
As três narrativas concêntricas impõem um desdobramento linear da linha do enredo. Inicia e termina com Walton, escrevendo para sua irmã inglesa, da periferia exterior do mundo civilizado, limite entre o conhecido e o desconhecido. Deste ponto caminhamos para dentro do círculo da civilização, os arrabaldes rurais de Genebra centro da ética Protestante. Neste lugar, homens e mulheres demonstram os bons sentimentos, a compostura e o decoro decorrentes das convenções tradicionais. As famílias ligadas à temática estão bem codificadas. Estas famílias não mostram a visão de tantos romances da época, com as aventuras que sempre apresentaram finais felizes, triunfando sobre qualquer posicionamento contrário.
Temos em Frankenstein, o caminho oposto. Os leitores se deparam primeiro com a civilização e seus descontentes, em suas tentativas de resgatar-se dentro desta sociedade com aventuras miraculosas que atinjam o valor de uma regeneração de vida. A circularidade do enredo enfatiza outro tipo de vida mantida pela consciência das personagens que se vinculam a outros valores. Cegos para quaisquer outros contextos, Walton e Victor, na rea1idade, não se compreenderam ainda como trânsfugos sociais. Mary Shelley não tematiza o processo inconsciente que os leva ao isolamento, mas trabalha a transcendência dos valores que permeiam suas ações.
O que seria mais tarde conhecido como o jargão dos oprimidos, tem na obra de Mary Shelley o valor de uma profecia: os alicerces da futura sociedade das massas onde a relação opressor x oprimido se torna mais patente; a liberdade de ação torna-se mais "limitada e idéias de retaliação e vingança são a tônica de um ciclo inteiro de autodefesa, mutuamente perniciosa e geradora da destruição.
Frankenstein é uma narrativa sobre a dialética da opressão na perspectiva ampla do opressor e do oprimido, perpassando para a família e daí para a sociedade como um todo. Talvez melhor do que qualquer historia gótica, a obra retrata o trabalho extremo de uma forma diatônica da alteridade. Expõe com clareza os resultados infelizes da recusa em validar as necessidades e o direito da existência de Um x o Outro.
Ao deixar sua casa, Victor Frankenstein torna-se melancólico, inicialmente, mas o objetivo de suas pesquisas em atingir o Conhecimento retira-o do contexto do círculo doméstico. Chega a dar vida a uma criatura, mas por não ser capaz de entender as vinculações de sua ação, afasta dela qualquer tipo de elo afetivo, negligenciando seu papel. A criatura, sem mesmo receber nome, perde a identidade e a possibilidade de conseguir enquadrar-se socialmente, pois o nome representa a autodefinição e a pertença social. Ser insignificante, é sempre mencionada como demoníaco, espectro, monstro, sempre repelida pelos outros por seu aspecto desproporcional, um Outro diferente e ameaçador à sociedade. Desesperado e isolado, determina-se ao aniquilamento de ambos, criador e criatura. A combinação dos elementos textuais tem ressonância na vida comum; a estatura da criatura/monstro de Victor tem seu análogo nas máquinas que aparecem na Inglaterra e são de estatura gigantesca; a tecnologia de então tinha "monstros mecânicos enormes, que Blake em 1808 chamara de "dark Satanic mills ". (Tropp, 19, 56)
Entre o homem e seu substituto - a máquina - existe incerteza e temor; um sentido de urgência leva o próprio homem a se questionar sobre as demandas do real que se robotiza e sofistica, deixando em aberto o futuro - foco central de Frankenstein, quando a relação do homem com seu tempo se modifica pelas hélices metálicas que orquestram o novo tempo. A protéica vitalidade da obra e da visão da autora projetam as grandes aberturas que o século XIX trouxe ao homem: um novo espaço, a transformação da vida, a percepção de um novo tempo, a imagem de um outro homem.
Pelo fato de esta escola recomendar a questão da autonomia da arte compreendida na sua gênese produtiva e analisada na dimensão histórica de sua receptividade a fim de que ela possa conciliar a função social da comunicação com a função estética, este trabalho foi realizado.
O modo gótico está associado a uma certa qualidade de efeito de 1eitura, pois exerce sobre o leitor um poder baseado na estética do Sublime, idéias desenvolvidas no século XVIII, ao propor uma mudança na retórica poética, na estética das artes e da literatura. Com impacto surge a criação do romance, determinada pelas sensibi1idades oriundas do reconhecimento que uma nova era carregada de potencialidades e transformações dirige o homem para outras posturas.
O gênero literário burguês, em sua essência, ganhou formas multifacetadas a partir de demandas de um novo público. A ascensão gradual da burguesia; renovando valores, modificar do aspirações, coisificou o real do universo e suas relações: o espaço público passou a ser um observatório privi1egiado da diversidade, ponto estratégico para apreender o sentido de todas as transformações.
Baseado na estética do sublime e do terror, o gótico nasce abrindo brechas para novas fronteiras; bastante significativo e o fato de ter sido um tipo de gênero que influenciou as primeiras abordagens de Freud em relação à fantasia, a formulação do inconsciente e seus sintomas, e a imagética que formulou em sua ciência, confirmando os estudos de Varma que viu no gótico um modo diretamente responsável pela descoberta do inconsciente, relacionado aos estados de ansiedade e aos processes internes subjetivos
Mary Shelley apresenta uma obra com determinantes potenciais de inovação, e faz um balanço do mundo problematizando agora os anseios e as expectativas do homem que estranha o mundo que vive, que tem a sensação de ter sua vida organizada a partir de demandas exteriores que transcendem a sua própria existência; no jogo aberto de uma intertextualidade flutuante "na "luta entre homens e símbolos. Mary Shelley mostra as perdas, as "imposições violentas, e os choques que estão a vista nesta nova sensibi1idade, marca inaugural de uma época que visa emancipar o homem, mas na realidade o agrilhoa aos deuses da técnica. Faz o diálogo com o presente momento, não como uma falsa ou ingênua adaptação as expectativas de significado de nossa época, mas demonstra que o próprio homem, a própria sociedade traça na armadilha de sua própria astúcia.
Frankenstein apresenta uma metáfora gótica da modernidade. Uma alegoria que transforma a linguagem referencial desrealizar a expressão através de uma linguagem sugestiva e densa na problemática do homem em busca de conhecimento. Aliena a poética ao propor a inquietação, a incerteza de sentido, propicia a ironia do distanciamento e leva o leitor a usufruir os caminhos do Sublime. Faz da psique humana mito e cenário góticos. Walton e Victor são criaturas a procura de um ponto indeterminado que e o próprio espaço da criação imaginaria.
No seu jogo ficcional, Mary Shelley reconduz a função de comunicação da obra e apresenta sua resposta às expectativas do leitor, demonstrando como sua arte, ao interferir / questionar a realidade de sua atualidade, engendra o próprio caminho histórico do homem de hoje.
Referências bibliográficas
LIMA, Luis Carlos (org.). A 1iteratura e leitor. Textos da Estética da Recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979
LONGINO, On the Sublime. In C1assica1 Literary Criticism. New York: Penguins, 1955.
SHELLEY, Mary. Frankenstein or the Modern Prometheus. London: Oxford University Press, 1999.
TROPP, Martin. Images of Fear - How horror stones helped Shape modern culture. North Caroline: McFardland, 1990.


Aluna: Karina Aline da Silva Santos
Teor Lit IV – Turma 9:20


Um comentário:

  1. Mais um trabalho copiado. É muito triste isso.

    O endereço do texto original: http://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno12-10.html

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