segunda-feira, 20 de julho de 2009

Sobre a Atividade Estruturalista

Por Nathália Nicácio Ganzer

DRE: 107364155


Segundo Mouton & Co., La Haye, (1962), estrutura é um termo já antigo, de origem anatomista e gramatical. Antes de mais nada, para que se possa entender o termo estruturalismo, devemos lembrar o velho esquema determinista de causa e produto, significado-significante e sincroniadiacronia a fim que possamos nos aproximar do que diferencia o estruturalismo de outras formas de pensamento.

Dessa forma, inicialmente somos remetidos ao modelo lingüístico saussuriano e, posteriormente, somos levados a um estruturalismo que se converte em história, na medida em que a idéia de sincronia torna-se uma certa imobilização de tempo, enquanto a diacronia, por sua vez, passa a representar uma sucessão de formas.

Além disso, não podemos esquecer que o estruturalismo, tal como é caracterizado, pode ser transferido também para a metalinguagem intelectual, a qual usa explicitamente conceitos metodológicos. Esses conceitos metodológicos, por conseguinte, tornam o estruturalismo essencialmente uma atividade que respeita etapas, como por exemplo, a ênfase na forma (o objeto se apresenta de forma constante), a obra é vista como um sistema de significação e de códigos, no qual os elementos relacionados ocupam determinadas posições de modo que, ao alterar uma posição, todo o poema é alterado, o que torna a obra uma supercodificação e se dá preferência ao método analítico em detrimento ao sintético, posto que durante o processo de análise da obra, dá-se uma separação entre os objetos e os elementos estruturais desta, remetendo-nos a um trabalho de bricolage.

Não obstante, é importante ressaltar, nesse contexto, o objetivo da atividade estruturalista. Seja ela reflexiva ou poética, a atividade estruturalista possui o papel de reconstituir um “objeto”, de modo que, dá-se, nessa reconstituição, as regras de funcionamento desse objeto. Assim, essa atividade, portanto, é um lugar de simulação dirigido e interessado, já que durante a simulação, coisas que pareciam invisíveis a olho nú, tornam-se visíveis e intelígiveis no processo de composição e “de”-composição.

Ora, nesse momento de decomposição estrutural, dá-se algo novo, posto que o objeto decomposto e agora, intelígivel e decodificado, fora acrescentado de intelecto. É justamente esse o fator que torna a atividade estruturalista de suma importância, posto que não se trata apenas de uma “impressão do mundo”, mas de uma fabricação verdadeira de um mundo que se assemelha ou que mimetiza o primeiro, contudo, sem copiá-lo e tornando-o cada vez mais intelígivel. Em suma, recompõem-se o objeto para que suas funções internas sejam vistas e para que se descubra o caminho feito pela obra.

Assim, a atividade estruturalista comporta duas atividades principais: desmontagem e arranjo. Primeiramente, desmonta-se o objeto e se procura nele certos elementos móveis cuja situação diferencial gera certo sentido. Dessa forma, o fragmento não tem sentido em si, isto é, ele é livre, contudo, qualquer variação, por menor que seja, produz uma mudança do conjunto. É nesse contexto que surge a noção de arranjo, posto que, quaisquer que sejam as unidades, elas só possuem existência significativa devido as suas fronteiras, as suas relações de intimidade e extensão e também, por se distinguirem de outras unidades virtuais, com as quais elas formam uma certa classe, denominada pelos lingüistas de paradigma.

Na verdade, o que caracteriza o objeto paradigmático é a sua presença em certa relação de afinidade e dessemelhança. Logo, um paradigma deve conter duas unidades que se assemelhem, de modo que suas diferenças sejam vistas como um raio.

Dessa forma, embora as unidades estruturais pareçam sem conexão e até mesmo, anárquicas, antes de serem descodificadas e reunídas em um processo de composição, cada uma é dotada de uma reserva inteligente, submetida a um motor soberano: a menor diferença.

Numa obra, portantanto, a análise deve ser feita de modo que sejam fixadas e descobertas regras de associação, para que assim, a atividade de composição ou arranjo seja realizada de modo extremamente natural e não aja, por conseguinte, um embate entre o acaso e a forma, posto que, ao mesmo tempo que a arte é retirada do acaso, é a forma que permite a contigüidade das unidades não parecer fruto do acaso. Em suma, é isso que faz com que o homem, numa espécie de mímesis, traga novo sentido e inteligencia às coisas.

Análise do poema “O Veneno” de Baudelarie

O Veneno

Sabe o vinho vestir o ambiente mais espúrio (A)

Com seu luxo prodigioso, (B)

E engendra mais de um pórtico miraculoso (B)

No ouro de um vapor purpúreo,(A)

Como um Sol que se põe num ocaso nebuloso.(B)

O ópio dilata o que contornos não tem mais, (C)

Aprofunda o ilimitado, (D)

Alonga o tempo, escava a volúpia e o pecado, (D)

E de prazeres sensuais (C)

Enche a alma para além do que conter lhe é dado. (D)

Mas nada disso vale o veneno que escorre (E)

De teu verde olhar perverso, (F)

Laguna onde minha alma se mira ao inverso... (F)

E meu sonho logo acorre (E)

Para saciar-se nesse abismo em fel imerso. (F)

Nada disso se iguala ao prodígio sombrio (G)

Da tua saliva forte, (H)

Que a alma me impele ao esquecimento num transporte,(H)

E, carreando o desvario, (G)

Desfalecida a arrasta até os umbrais da morte! (H)

De acordo com o método estruturalista, proponho uma análise na qual o objeto (o poema de Baudelaire) seja considerado não individualmente, mas como uma relação estrutural e funcional.

Podemos observar que o poema é formado por quatro estrofes, contendo cada estrofe cinco versos. Além disso, notamos que os versos ímpares são alexandrinos e os versos pares são heptassílabos (redondilhas menores). Quanto à disposição (A-B-B-A-B), as rimas são interpoladas.

Quanto ao valor das rimas, na primeira estrofe temos rimas pobres, posto que rimam classes gramaticais iguais, sendo a primeira estrofe toda rimada por adjetivos. A segunda estrofe, por sua vez, é composta por rimas ricas, já que as classes gramaticais das palavras “mais e sensuais” e “ilimitado, pecado e dado”são diferentes. Na terceira estrofe, as rimas novamente são pobres e na última estrofe, ricas.

Contudo, ao analisar o poema ainda de forma estruturalista, ou seja, descobrindo e fixando regras de associação, trazendo sentido, inteligência e função ao objeto, podemos constatar no poema o que Erich Auerbach já havia observado na poesia de Baudelaire: a incorporação a matéria da realidade grotesca à linguagem sublimada do romantismo. Assim, podemos retirar do poema expressões como “ambiente mais espúrio”, “volúpia”, “pecado”, “veneno”, “sombrio”, “saliva”, “abismo”, “fel”, “desvario”, “umbrais”, “morte” que comprovam essa observação de Auerbach.

Assim, no primeiro verso da primeira estrofe “Sabe o vinho vestir o ambiente mais espúrio”, ou seja, ele sabe vestir o ambiente mais desonesto “Com seu luxo prodigioso” , isto é, com seu luxo maravilhoso, fantástico “E engendra mais de um pórtico miraculoso”, gerando mais de um portal miraculoso. Notamos nesses três primeiros versos, que o vinho não é entendido como coisa, como objeto que é, mas sim com características humanas, pois ele “sabe vestir” e ele “engendra”. Além disso, “E engendra mais de um pórtico miraculoso/ No ouro de um vapor purpúreo,/ Como um sol que se põe no ocaso nebuloso.”, temos no quarto verso uma sinestesia, já que sensações diferentes são misturadas, como o “vapor”, que nos dá uma sensação quente com a cor púrpura, vibrante. Dessa forma, temos a sensação de que o próprio vapor provém da própria cor púrpura (vermelho-escuro, tendente para o roxo). Esse pórtico miraculoso gerado pelo vinho é comparado ao Sol que se deita no poente nebuloso.

Temos assim, uma antítese entre “púrpura” e “nebuloso” e podemos notar também que a primeira estrofe transmite ao leitor uma sensação de incerteza, de coisas falsas, pois o vinho veste o ambiente mais espúrio com um luxo prodigioso, gerando um portal “miraculoso”, como algo que praticamente não pode existir por ser um milagre, e também pela presença de vapor, de nebulosidade. Na verdade, aos olhos do ébrio, os passos são incertos e há uma presença dúbia, tornando o real incerto, posto que há o real e há também uma projeção do real, que na verdade, é uma ilusão criada pelo poder do álcool. Por isso, o vinho, enquanto metonímia de álcool, é capaz de engendrar coisas.

Na segunda estrofe, vemos que o mesmo se dá com o ópio, pois ele dilata o que não possui mais contorno, aprofunda o ilimitado, alonga o tempo, escava a volúpia, podendo nesse contexto, não ser apenas a luxúria, mas também grande prazer de todos os sentidos e de todas as sensações, escavando o pecado, transbordando a alma de prazeres. Também notamos, nesse contexto, que o ópio recebe características mais humanas, pois é ao ópio que são conferidas todas essas ações mais humanas.

Contudo, o eu-lírico usa do ópio e do vinho como forma de compará-los ao “(...) veneno que escorre/ De teu verde olhar perveso”. E acrescenta, “Mas nada disso vale”, isto é, mas nem o vinho nem o ópio se comparam com o poder que possui o veneno que escorre do olhar perverso da figura que tanto o atrai, tanto o hipnotiza. Assim, na terceira estrofe ainda é feita uma metáfora, pois o olhar é “Laguna onde minha alma se mira ao inverso...”. Ao pensarmos no inverso da alma, podemos pensar em refletir uma figura no espelho ou na água. Ao fazermos isso, temos a projeção dessa figura vista do lado contrário da figura real e assim é vista a alma do eu-lírico nesse olhar, nessa laguna. Nessa hipnose, o sonho do eu-lírico vem em seu auxílio, a fim de “saciar-se nesse abismo em fel imerso”.

O eu-lírico acrescenta ainda, que nem o ópio nem o vinho se igualam à maravilha sombria “Da tua saliva forte”, saliva essa que impele a alma do eu-lírico ao esquecimento, guiando-a ao desvario, e enfim, desfalecida, é arrastada até os umbrais da morte!

Dessa forma, portanto, o olhar da figura amada atrai o eu-lírico, de modo que o deixam em um estado de torpor semelhante ao coma, impelindo a alma ao esquecimento, hipnotizando-a, guiando-a ao desvario e por fim, tal como um veneno, levando sua alma a morte

Um comentário:

  1. O trabalho está bastante bom, mas não posso deixar de levar em contas todas as circunstâncias de sua entrega. Caso tivesse sido entregue em condições normais, ganharia uma excelente nota. Nesse caso, para não ser injusto com os demais alunos, recebe uma avaliação mediana.

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