segunda-feira, 13 de julho de 2009

AS DIFERENTES VISÕES SOBRE O LEITOR E SUA IMPORTÂNCIA NA LITERATURA

Por
KAREN PEREIRA FERNANDES DE SOUZA

Aqui examinamos um elemento literário para quem uma obra é escrita: o leitor. Alguns estudos literários se opõem radicalmente em que uns o excluem por completo e outros o valorizam tanto que o colocam em primeiro lugar valorizando a sua leitura. Durante muito tempo, o historicismo, o formalismo e o New Criticism ignoravam o leitor porque defendiam a obra literária como uma unidade auto-suficiente em que o poema existe por si só, como um monumento verbal, desprendido de seu autor e de seu leitor. Concordavam em baní-lo, pois consideravam suas faculdades interpretativas muito limitadas, além de atribuírem a ele a má compreensão e as falhas da leitura mesmo que estes problemas não estivessem no leitor. Para eles, o leitor ideal é aquele que se curva à expectativa do texto, que seja passivo ao texto, lendo e interpretando fielmente o que está escrito. A narratologia e a poética chegam a atribuir um papel para o leitor, que não é muito diferente do pensamento acima: um leitor abstrato ou perfeito, ao qual nenhum leitor real poderia se identificar. O filósofo I. A. Richards, depois de suas experiências com seus alunos, também concorda com os pensamentos acima e que para corrigir as deficiências e limitações dos leitores numa leitura fechada (uma leitura ideal), eles deveriam ser ensinados a ler cuidadosamente respeitando a liberdade e a autonomia do texto.

Enquanto alguns o excluem, outros trazem o leitor de volta ao centro dos estudos literários, como Proust que defendeu e conferiu ao leitor um importante papel: não o de compreender o livro, mas o de compreender a si mesmo através do livro porque o leitor aplica o que ele lê na sua vida, porque ele aprende com a leitura sobre várias questões perfeitamente aplicáveis no seu dia-a-dia. Em O Tempo Redescoberto, Proust escreve: “a escritura é descrita como a tradução de um livro interior, e a leitura como uma nova tradução num outro livro interior” (COMPAGNON, 2003: 145). É interessante ele dizer isso porque quando o autor escreve uma obra é impossível ele ser imparcial o tempo todo, ele acaba imprimindo suas impressões, experiências, fatos que aconteceram com ele. E o leitor vê nessa experiência, nessa vivência lida no texto algo aplicável para a sua vida. Se podemos dizer que uma vida é um livro aberto e que a experiência de uma pessoa é o que preenche as páginas deste livro, então cada um de nós, leitores, temos um livro interior. Muitas outras abordagens teóricas passaram a valorizar o leitor, como exemplo a hermenêutica.

Assim, chegamos ao conceito de recepção. Ora, uma palavra bastante clara e transparente, recepção, ou seja, as impressões que alguém recebe de alguma coisa, em outras palavras, aquilo que o leitor adquire, recebe, absorve, até mesmo a reação/efeitos em função do que leu, podendo ser esta recepção por um indivíduo ou por um conjunto de pessoas que leram a mesma obra literária. Antes, a recepção era vista não sob a forma de leitura, mas por uma obra motivar a criação de outras obras, medindo o destino de uma obra pela a sua influência. “Análise mais restrita da leitura como reação individual ou coletiva ao texto literário”; “visa ao efeito produzido no leitor, individual ou coletivo, e sua resposta”, só se chegou a este conceito graças aos historiadores da escola dos Annales.

Esta recepção pode ser dividida em duas categorias: a fenomenologia, que vai cuidar do ato individual da leitura; e a hermenêutica, que vai cuidar da resposta pública (coletivo) ao texto. Para as duas concepções o tempo real é importante, porque o objeto literário não é nada mais do que uma matéria no espaço graças à imprensa, um volume ocupando uma prateleira da estante, configurando-se texto somente no ato da leitura ou enquanto este ato puder durar. E o mais interessante: o sentido do texto que não está no texto propriamente escrito (porque o texto só instrui), mas no produto da leitura, na fusão de elementos dispersos e incompletos construídos pelo leitor com o auxílio de suas experiências adquiridas antes mesmo da presente leitura.

“[...] o texto literário é caracterizado por sua incompletude e a literatura se realiza na leitura. A literatura tem, pois, uma existência dupla e heterogênea. Ela existe independentemente da leitura, nos textos e nas bibliotecas, em potencial, por assim dizer, mas ela se concretiza somente pela leitura. O objeto literário autêntico é a própria interação do texto com o leitor”. COMPAGNON, 2003: 149.

Assim, chega-se à noção de autor implícito e a de leitor implícito. O autor nunca se retira totalmente de sua obra, deixando ativo o seu substituto: o autor implícito; é como se fosse um piloto automático, um narrador da história, que vai descrevendo os cenários e hipnotizando o leitor, introduzindo-o à cena, enquanto o autor real revela as ações das personagens, dando emoção ao leitor. O leitor é percebido ao mesmo tempo como ativo e passivo: o leitor implícito é passivo ao texto, ele tem o papel de absorver as predisposições fornecidas pelo autor, ele só entende o que é dado; nada mais é do que uma construção do texto, uma estrutura textual pré-determinada; e é ele que mostra esses dados absorvidos ao leitor real que é ativo e tem a função de construir o sentido do texto com a ajuda do seu repertório (conhecimentos adquiridos ao longo da vida, isto é, conjunto de normas sociais, históricas e culturais que constituem a competência de um leitor). Um não se identifica com o outro.

Desta forma, podemos dizer que a leitura é a reunião dos dados fornecidos pelo autor real e o autor implícito ao leitor real que tem o auxílio do leitor implícito. Ou, como é dito no texto: “[...] o ato da leitura consiste em concretizar a visão esquemática do texto [...], a construir uma coerência a partir dos elementos dispersos e incompletos. A leitura se apresenta como uma resolução de enigmas.” (COMPAGNON, 2003: 152).

Se o leitor real constrói o sentido do texto com a fusão do seu repertório com os dados que o leitor implícito absorveu do texto isso significa que a obra literária é aberta, ou seja, o texto tem suas lacunas que só podem ser completados por elementos externos ao texto através do leitor real. O que nos faz acreditar nessa abertura é o resultado diferente da leitura de um texto onde dois leitores (pelo menos) lêem o mesmo texto de modo diferente. Ou melhor, a obra literária ela está entreaberta, porque conta com a participação tanto do leitor quanto a do autor, fazendo com que o leitor ora seja imposto ora livre. A liberdade concedida ao leitor está na verdade restrita aos pontos de indeterminação do texto, entre os lugares plenos que o autor determinou. “Assim, o autor continua, apesar da aparência, dono efetivo do jogo: ele continua a determinar o que é determinado e o que não é.” (COMPAGNON, 2003: 155).

O gênero trata-se de mais uma categoria da recepção, pois funciona como um esquema de recepção (pelo seu conjunto de normas e regras), que ajuda ao leitor a compreender o texto, ou o que esperar dele. “[...] as convenções históricas próprias ao gênero, ao qual o leitor imagina que o texto pertence, lhe permitem selecionar e limitar, dentre os recursos oferecidos pelo texto, aqueles que sua leitura se realizará.” (COMPAGNON, 2003: 158). Aqui, não podemos deixar de mencionar a tripartição clássica dos estilos: sublime, trágico e grotesco que perdura por muito tempo, mas agora com outros nomes: romance, sátira e história ou melhor, pior ou igual ao mundo real (baseados na dualidade da comédia e tragédia), que regula a forma como o leitor vai investir no texto.

Fish redefine a literatura (mudando o nome para estilística afetiva) como “o que acontece quando lemos”. E vai mais longe, acaba com a disputa de autoridade entre autor, texto e leitor reduzindo às autoridades das “comunidades interpretativas”, o que para alguns significa a decadência da teoria da recepção, pois estaria retirando toda a liberdade, a subjetividade e autonomia concedida outrora ao leitor, fundindo esta tríade (autor-textoleitor) em uma coisa única, isto é, as “comunidades interpretativas” representam as normas de interpretação (literária e extraliterárias) que um grupo compartilha sem a intervenção subjetiva de qualquer leitor pertencente ao grupo, agora o sentido do texto não pertence mais ao leitor e sim às comunidades interpretativas, pois este grupo já compartilha das mesmas ideias e opiniões.

Concluindo, o leitor que por bastante tempo foi ignorado passa a ter total liberdade e autoridade sobre o texto, tirando de cena tanto o autor quanto o próprio texto, porque ele se torna a peça principal do jogo, é nele que está o segredo do significado do texto já ele possui um repertório, um conhecimento externo ao texto aplicado à obra para preencher as lacunas que o autor determinou. Mais tarde, juntamente com o autor e o texto o leitor é reduzindo às comunidades interpretativas. Uma obra literária não pode ter somente uma peça principal, mas sim, um conjunto, e no caso em questão três: o leitor, o texto e o autor; cada um com as suas funções sem haver a necessidade de serem reduzidos às comunidades interpretativas. Respeitando as funções desta tríade, o leitor pode continuar a ser livre para produzir o sentido do texto, dentro de uma liberdade permitida, sem destruir a teoria da recepção.

BIOGRAFIA: COMPAGNON, Antoine. Leitor. In: O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2003. p. 139-164


Um comentário:

  1. Karen, seu trabalho, mais uma vez, está muito bom. Está claro que você se dedicou a entender o texto abordado, realizando uma leitura pertinente e bem articulada do tema. Parabéns. Boas férias e melhoras no dedinho.

    Grande abraço,

    Caio

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.