segunda-feira, 29 de junho de 2009

Análise do conto A Igreja do diabo, de Machado de Assis

Para melhor análise do conto, iniciemos por comentar sobre o estilo do escritor, Machado de Assis, de ilustríssima importância para a literatura brasileira.

O conto “A Igreja do Diabo”, dividido em quatro capítulos, faz parte do movimento realista. O Realismo veio em oposição ao Romantismo exaltando a crítica à humanidade e à sociedade. Enquanto os autores retratavam as paisagens brasileiras em suas obras, Machado retratava o homem como ele é em sua essência: metade do bem, metade do mal, o que não nos permite definir suas personagens em boas ou más, mas como simplesmente, humanas. Críticas à burguesia e à Igreja Católica são também de forte presença nas obras machadianas, assim como as relações sociais, contrastando o que as personagens são, e o que elas demonstram ser. Tudo isso sempre recheado de ironia, sua marca registrada.

Suas narrativas não têm como forte a ação, e sim fatos aos quais o leitor é levado a refletir sobre, focando sempre os mecanismos que levam as personagens a cometer seus atos, que na maioria das vezes é a busca pelo dinheiro e pelo sucesso.

1) O CONTO

O conto “A Igreja do Diabo” foi publicado em 1884 no livro Histórias sem data. O nome é bastante justo pois, logo ao ler este conto pela primeira vez, o leitor se fascina com a abordagem do tema de maneira tão atemporal.

A narrativa de “A Igreja do Diabo” conta do dia em que o diabo, sempre cúpido de poder e cansado da desorganização histórica em que vivia, resolve fundar sua própria igreja, com suas próprias regras. E regras muito atraentes para as pessoas: transgredir todas as leis, em especial, as leis divinas. O inimigo de Deus visava conquistar a hegemonia entre as religiões do mundo inteiro, prometendo infinitos lucros aos afiliados. Praticar o bem seria então condenável e fazer o que todos sempre tiveram que reprimir seria sublime. Resumindo: a eterna relação de Deus/religião, homem/razão.

A crítica e a irreverência se apresentam a todo momento ao longo da narrativa. Machado põe como a realização de nossos íntimos desejos a alegria do Diabo, em atitudes como praticar os sete pecados capitais, trapacear, cometer adultério ou mentir. Para a oficialização da decisão do diabo, mostra uma conversa entre o próprio e Deus, que o recebe pacificamente. Neste momento o demônio, com bastante ironia compara a religião a um comércio, dizendo a Deus: “Não tarda muito que o céu fique semelhante a uma casa vazia, por causa do preço, que é alto.”, ou seja, dizendo que paga-se caro para viver de acordo com as leis da Igreja. E também, é claro, fazendo uma alusão à questão da Igreja com o dinheiro de seus fiéis em troca da suposta salvação.

Ao longo da leitura vemos muitos exemplos de intertextualidades, o que veremos melhor adiante, mas a bíblia é a principal referência.. Porém, diferentemente do que possa parecer, a religião não é o tema central, pois, também vale citar o contexto histórico em que o conto foi publicado, em 1884. Na época, a decadência do Império era evidente, devido à propagação dos ideais positivistas que conclamavam a criação da República e, um dos alvos das críticas dos positivistas era a Igreja Católica, um dos pilares do regime monárquico.

Na realidade o tema central é a humanidade e suas contradições. Após serem apresentados a uma religião em que seriam contemplados por praticarem suas vontades sem terem que pensar em consequências, as pessoas começam aos poucos a praticar boas ações, ajudarem uns aos outros discretamente, como que parecessem não resistir a fazer o que, a partir de então, se apresentava como o proibido. Este súbito comportamento deixa satanás atônito, sem saber o que levava aquele povo a cometer tais condenáveis atitudes. Sente-se traído e procura Deus que dá o fechamento da estória, dando-lhe apenas, de maneira muito serena, a seguinte declaração: “É a eterna contradição humana.”

Um detalhe muito importante de se perceber na leitura é o fato de que Deus é apresentado com sabedoria, paciência e conivência com o livre-arbítrio: em nenhum momento se opunha às atitudes do diabo ou das pessoas, a exata imagem que nós fazemos de D’Ele. No entanto, o texto que faz uma crítica à humanidade, apresenta o diabo com características essencialmente humanas. Ele sente inveja e aspira ao poder e à dominação a todo momento, sentimentos extremamente humanos. A aplicação dessa personalidade ao diabo reforça o retrato que o autor faz de nossa natureza que é dividida entre o bem e o mal, o que podemos observar, por exemplo, no comportamento de crianças pequenas. Ao fazerem coisas que julgamos erradas, pode-se ver em seus rostos que sabem que estão fazendo algo que não devem e estão desfrutando da sensação de fazer algo proibido. A obra machadiana sempre evoca a reflexão da questão de nascermos com o bem e o mal e a questão de sermos corrompidos pelo meio em que vivemos, a nature X nurture. Vê-se também em todas as obras de Machado, sua maneira negativa de enxergar a alma humana, como corruptível e, não importando como ou com o quê, nunca se sente satisfeita.

O diabo, retratado de maneira extremamente alegórica, propõe uma doutrina muito semelhante à de Deus,a única diferença é que acaba por ser sua mais profunda negação. O diabo se propõe a negar o que reflete, mostrar o contrário, o que nos remete à citação de Santo Agostinho: “A igreja do Diabo imita a igreja de Deus”.

Os diálogos que o conto faz são fundamentais para sua composição e para a compreensão do mesmo. A começar pelo título que por si só já é uma paródia entre o divino (Deus) e o profano (Diabo), o primeiro uso de carnavalização. É parodiado também o confronto Escritura X Escritura, pelo fato de o diabo copiar os rituais da Igreja divina, e também a pedra fundamental, que o Diabo cita quando anuncia a criação da sua Igreja: “Vou lançar a minha pedra fundamental”.

2) A INTERTEXTUALIDADE

A intertextualidade observada é muito interessante, começando no capítulo II, quando Deus recebe a visita do satanás nos recantos celestes, Deus recolhe um homem chamado Fausto, fazendo aí uma intertextualidade com uma das obras mais famosas do romancista alemão Johannes Von Goethe, “Fausto” e sua concepção de homem para o germânico, que são as mesmas de Machado de Assis: “Falas assim porque só tens uma aflição, não procuras jamais desvendar as outras! No meu corpo há duas almas em competição, anseia cada qual da outra se apartar. Uma rude me arrasta aos prazeres da terra, e se apega a este mundo, anseios redobrados; outra ascende nos ares; nos espaços erra, aspira à vida eterna e a seus antepassados. Oh, se existem espíritos no alto firmamento, que entre a terra e o céu se agitam com freqüência que desçam dessa névoa áurea, num momento, e me levem a essa nova e brilhante existência!”. A personagem vendeu sua alma ao diabo em troca do saber supremo, mais um exemplo da facilidade de que o diabo tem em seduzir o homem.

No capítulo III, Machado cita o prosador renascentista francês François Rabelais e sua obra “Gargântua e Pantagruel”, uma ilustração para enumerar as qualidades do Diabo: “O mesmo disse da gula, que produziu as melhores páginas de Rabelais, e muitos bons versos do Hissope; virtude tão superior, que ninguém se lembra das batalhas de Luculo, mas das suas ceias; foi a gula que realmente o fez imortal”. A citação cumpre o objetivo do texto: mostrar a tendência dos homens, que ao terem acesso às regras essenciais da religião cristã, passam a respeitar estas e a não burlá-las mais. Assim acontece no conto, quando o Diabo começa a perder a sua força, visto que seus adeptos estavam praticando as ações cristãs e não mais praticando as ações recomendadas pelo mesmo.

Sites consultados:

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/analises_completas/a/a_igreja_do_diabo_conto

http://recantodasletras.uol.com.br/ensaios/289713

http://recantodasletras.uol.com.br/trabalhosacademicos/1621422

aluna: Eduarda de Souza e Silva Coelho DRE: 108062879

Teoria literária III - Professor Caio

Um comentário:

  1. Eduarda, seu trabalho está interessante, condizente com seu estágio de formação acadêmica, mas não chega a mencionar nenhum dos conceitos que vimos durante o período. Faltou, a meu ver, relacionar o tema abordado com o formalismo, o estruturalismo, a crítica etc. De todo modo, está razoavelmente bem escrito e articula suas ideias com clareza. Da próxima vez, não se esqueça de, ao fazer o trabalho, relacionar sua abordagem com os conceitos e ideias vistos na disciplina. A nota, média alta, seguirá após a leitura completa dos textos do blog. Abraços e boas férias.

    Caio

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