quinta-feira, 18 de junho de 2009

O FORMALISMO RUSSO EM LINHAS GERAIS

Este trabalho tem por objetivo fazer uma explanação em linhas gerais a respeito do Formalismo Russo do início do século XX. Compreender os conceitos propostos e trabalhados pelos formalistas é de grande importância para os profissionais da área de teoria e crítica literária, visto que o formalismo buscou um status de autonomia para a crítica literária, desvinculando-a de um estudo historicista, por exemplo. Ainda hoje podemos perceber alguns elementos das técnicas formalistas muito vivos em ensaios e críticas. Mas, para chegarmos ao surgimento do formalismo propriamente dito, faz-se necessário ter um panorama literário do início do século XX, que possibilitou o florescimento dos conceitos formalistas.
Em um rápido retorno ao cenário dos primeiros anos do século XX, o que se pode perceber é uma forte presença de uma história literária acadêmica, de raízes positivistas; tal história literária estava dominada pela erudição e pouco voltada aos valores estéticos. A crítica impressionista, desenvolvida em jornais e revistas, era pouco rigorosa e séria. Nas universidades, o ensino de linguística fazia-se igualmente dentro dos padrões positivistas, sob o signo do historicismo e da erudição. Em outras palavras, é visível neste contexto “pré-formalismo” a priorização da produção de crítica literária do biografismo, do filosofismo e da historicidade.
Dentro do contexto apresentado é que surgiram as primeiras manifestações formalistas; novas gerações de estudantes que ingressavam nas universidades russas, mostravam-se descontentes com os modelos acadêmicos em vigência. Tal descontentamento foi o motivador para que se procurasse novas orientações, dentre as quais vale comentar sobre duas: O Círculo Linguístico de Moscou, fundado em 1914 por um grupo de jovens alunos da Universidade de Moscou, que se propunham a desenvolver estudos de linguística e poética, e do qual fizeram parte Buslaev, Vinokur e Roman Jakobson; Opojaz, fundado em 1916 por um grupo de linguistas e de estudiosos da literatura em São Petersburgo, que consistia em uma sociedade para o estudo de linguagem poética, na qual se distinguiam os teorizadores literários Victor Chklovski e Boris Ejchenbaum. Ambos os grupos possuíam íntima relação com as vanguardas europeias, sobretudo com o futurismo.
Antes de uma caracterização do formalismo, tracemos uma linha temporal com os fatos mais relevantes. Após a Revolução Comunista de 1917, os formalistas russos continuaram desenvolvendo suas atividades intensamente, multiplicando anualmente suas publicações e alargando o campo de estudo. Por volta de 1924, ganhou força a oposição dos intelectuais e dos dirigentes marxistas às doutrinas do Opojaz, iniciando-se um polêmico período de ataques violentos. Na obra Literatura e revolução (1924), Trotsky criticou duramente os pressupostos teóricos e o método formalistas; tal obra abriu caminho para outras críticas mais severas. Conforme o Partido Comunista impunha sua disciplina na vida cultural russa, as doutrinas formalistas foram silenciadas. Por volta de 1930, o formalismo russo extinguiu-se.
Cabe agora tratar, mais precisamente, dos aspectos de maior importância acerca do formalismo. Em primeiro lugar, o formalismo russo pretende conferir à crítica literária um caráter bem definido, atribuindo-lhe um objeto de estudo bem especificado e um método próprio, a fim de cessar com a confusão entre os diversos domínios do conhecimento. Os formalistas reagem contra a crítica impressionista, subjetivista e tendenciosa; reagem também contra a crítica acadêmica de cunho erudito, ignorante dos problemas teóricos implicados pelo fenômeno literário.
A ciência da literatura, segundo eles, deve estudar a literariedade, isto é, o que confere a uma obra sua qualidade literária, aquilo que constitui o conjunto de traços distintivos do objeto literário. Tal princípio fundamental conduziu os formalistas a definirem os caracteres específicos do fato literário: não procuravam esta especificação no estado de alma, na pessoa do poeta, mas sim no poema; também não buscaram essa especificação na natureza da experiência humana ou da vivência contidas no poema, nem nas categorias e nos axiomas de qualquer estética especulativa. A especificação que buscavam, estava no próprio texto literário, é algo imanente do próprio texto, que deveria ser tomado como objeto de estudo.
Para estabelecerem os caracteres próprios do objeto literário, os formalistas decidiram comparar a série literária com outra série de fatos que tivesse uma função diferente, mesmo estando estreitamente ligada com aquela. O caminho seguido foi a comparação entre a linguagem poética e a linguagem cotidiana.
Em termos metodológicos, o método dos formalistas russos é basicamente descritivo e morfológico, ou seja, visa o conhecimento da obra como organização artística, mediante uma descrição exaustiva dos seus elementos componentes e respectivas funções. Inicialmente, interessaram-se pelos problemas fono-estilísticos do verso, ocupando-se com o estudo do ritmo, a relação do ritmo com a sintaxe, análise de esquemas métricos, eufonia etc. Depois, superaram esse nível de análise, voltando-se a estudos semânticos da linguagem literária, sobre metáforas e imagens, fraseologia, técnicas usadas pelos escritores. O romance, a novela e o conto atraíram principalmente os formalistas, pioneiros no estudo sistemático dos aspectos técnicos dessas formas literárias. Dentre os problemas do gênero narrativo estudados a fundo pelos formalistas, pode-se citar a diferenciação entre romance e novela, as diferentes formas de construção do romance e a importância do fator tempo na estrutura romanesca.
Outro conceito importante trabalhado pelos formalistas foi o conceito de forma. A dicotomia fundo-forma punha a forma como algo exterior, espécie de recipiente em que se vaza depois um conteúdo; tal conceito, estático e espacial, foi unanimemente refutado pelo formalismo, que propôs um conceito dinâmico, no qual a unidade da obra é uma totalidade dinâmica, “cujos elementos não estão ligados por um sinal de igualdade e de adição, mas por um sinal dinâmico de correlação e integração”. Os chamados elementos ideológicos – elementos cognitivos, emocionais, ou de outra ordem – estão presentes em uma forma e não podem ser analisados e valorizados senão por meio da sua corporização artística; não existem em literatura por si, como valores independentes de um contexto literário, e por isso devem ser estudados nas suas específicas forma e função literárias. A noção de forma identifica-se com a própria obra artística conceituada na sua unidade e na sua integralidade, deixando de precisar de qualquer termo correlato e complementar.
O formalismo nunca defendeu, exceto em alguns extremismos da fase inicial, que a obra literária devesse ser estudada como um objeto isolado, fora de uma perspectiva histórica. Aliás, ocupam a posição central nas teorias formalistas os pressupostos de que: a obra não pode ser arrancada de um contexto histórico literário; a perspectiva diacrônica é indispensável para a precisa análise do fenômeno literário. Sendo assim, a própria dinâmica do surgimento de novas formas literárias é radicalmente histórica, onde se pode observar que a forma nova dá lugar à forma antiga, gasta e tendendo para o automatismo, ou seja, já não desempenhando a função estética.
Dentre os vários formalistas russos, se faz necessário ao menos comentar o trabalho de alguns. Comecemos por Chklovski.
Viktor Chklovski reagiu contra a doutrina na qual a linguagem poética consistiria em um pensamento por imagens, afirmando que na linguagem poética é de grande importância o aspecto articulatório, já que no verso há muitos sons sem qualquer ligação com uma imagem e que possuem uma função verbal autônoma. Em "A arte como processo", importante ensaio, afirma que a imagem é apenas um dos variados elementos do sistema de processos artísticos utilizado pelo escritor. Os conceitos de imagística e de linguagem poética não são coextensivos, pois as imagens podem surgir em diferentes níveis linguísticos e, por outro lado, pode existir uma linguagem poética isenta de imagens.
Um dos pontos mais interessantes do referido ensaio diz respeito à questão da automatização e perceptibilidade da linguagem. A atividade humana tende para a rotina e para o automatismo do hábito, o que se reflete na linguagem cotidiana. Por isso, os objetos são percepcionados na comunicação pela linguagem cotidiana de modo esfumado, apenas através de um dos seus elementos ou através dos seus caracteres genéricos e superficiais; a linguagem poética, no entanto, fornece “uma sensação do objeto como visão e não como reconhecimento”. O escritor deforma a realidade para melhor atrair o leitor, consistindo o seu processo básico de representação do real em um processo de singularização dos objetos.
Roman Jakobson, outro renomado formalista, procurou estabelecer a essência da literariedade a partir da análise do instrumento utilizado pelo escritor, a fim de distinguir a linguagem poética da linguagem informativa e da emotiva: “O traço distintivo da poesia reside no fato de que, nela, uma palavra é percebida como uma palavra e não meramente como um mandatário dos objetos denotados, nem como a explosão de uma emoção; reside no fato de que, nela, as palavras e o seu arranjo, o seu significado, a sua forma externa e interna, adquirem peso e valor por si próprios”.
Boris Ejchenbaum em seus estudos nos diz que na linguagem poética, a palavra se situa em uma nova atmosfera semântica. O aspecto mais relevante da semântica poética reside na “formação de significações marginais que violam as associações verbais habituais”, denominada de ambiguidade significativa.
Entre os demais formalistas russos que publicaram trabalhos de valores tão significativos quanto os que foram comentados anteriormente, vale citar: Tomasevskij, que analisou a questão do valor autônomo das estruturas verbais na obra literária; Tynianov, que desenvolveu análises sobre a relação posicional dos vocábulos na linguagem literária e redefiniu conceitos como sistema e função ligados à evolução literária; Vinogradov, que trabalhou com a questão das tarefas da estilística; e, por fim, Mukarovsky, que também trabalhou com a relação entre a história e a evolução das estruturas artísticas.Com esta breve relação dos nomes mais importantes do formalismo russo, chega-se ao fim este estudo sistemático e condensado sobre o formalismo russo. Espera-se que as informações expostas e brevemente explicadas aqui sirvam de ponto de partida para pesquisas mais profundas acerca do assunto e que, com a leitura deste texto, os leigos no assunto possam ter adquirido algum conhecimento significativo deste valoroso movimento na teoria literária do início do século passado.
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Fontes de Consulta:
  • CHKLOVSKI, Viktor. "A Arte como Procedimento"; 1917.
  • ____________. "A Construção da Novela e do Romance".
  • JAKOBSON, Roman. "Do Realismo Artístico".
  • TOMACHEVSKI. "Temática"; 1925.
  • EICHENBAUM, Boris. "A Teoria do Método Formal"; 1925.
  • TYNIANOV, J. "A Noção de Construção"; 1923.
  • ____________. "Da Evolução Literária"; 1927.
  • PROPP, Vladimir. "As Transformações dos Contos Fantásticos"; 1928.
  • VINOGRADOV. "As Tarefas da Estilística"; 1922.
  • TOLEDO, Dionísio de Oliveira. Teoria da Literatura: formalistas russos. Porto Alegre, Editora Globo, 1971.
  • POMORSKA, Krystyna. Formalismo e Futurismo. Ed. Perspectiva, série Debates, 1972.
  • AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. "Capítulo XIII - O Formalismo Russo" in. Teoria da Literatura. 3ªed., Livraria Almedina, Coimbra, 1979.
  • Registros feitos no caderno durante o curso de teoria literária III, ministrado pelo Professor Caio Meira no 1º semestre de 2009.

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Thiago Laurentino de Oliveira
DRE nº 108061849
Turma: LEB

Um comentário:

  1. Thiago, o trabalho está muito bom, mas parece ter sido escrito numa linguagem pouco compatível com um aluno de terceiro período. Gostaria, antes de me pronunciar, que vc me explicasse o sentido da sua conclusão, em especial a parte que se refere aos leigos: "Espera-se que as informações expostas e brevemente explicadas aqui sirvam de ponto de partida para pesquisas mais profundas acerca do assunto e que, com a leitura deste texto, os leigos no assunto possam ter adquirido algum conhecimento significativo deste valoroso movimento na teoria literária do início do século passado." Envie-me por email a sua resposta.
    Abraços,

    Caio

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