terça-feira, 30 de junho de 2009

Sozinho na multidão - uma análise de "As multidões", de Charles Baudelaire

Quando se fala em poesia francesa, o primeiro nome que vem à cabeça de qualquer um é Charles Baudelaire. Ele foi um dos poucos franceses cuja obra poética teve repercussão mundial; a maior parte dos franceses da literatura conhecida mundialmente são autores de romances e outras obras em prosa. Uma das razões para o amplo alcance da obra de Baudelaire é o fato de este ser um dos inauguradores da corrente simbolista.

Dentre os aspectos que caracterizam o simbolismo, está o subjetivismo, que aumenta em comparação com o movimento realista. Os artistas deixam de lado a representação da realidade e adotam o ponto de vista de um indivíduo. Além disso, as obras simbolistas são conhecidas por abusarem de imagens. No entanto, essas imagens não têm como propósito exprimir uma ideia ou sentimento; elas têm por objetivo provocar uma reação no leitor, seja ela boa ou ruim. Para os simbolistas, o mais importante não é o que é dito, mas como é dito e o que isto causa ao leitor.

Como não é possível analisar a obra de Baudelaire em sua totalidade, apenas uma parcela ínfima, porém importante, foi selecionada para análise: o poema em prosa “As multidões”. Já no primeiro parágrafo da obra, é possível perceber a peculiaridade da imagética que está presente no legado literário de Baudelaire:

“Nem a todos é dado tomar um banho de multidão: gozar multidão é uma arte; e só pode fazer, à custa do gênero humano, uma farta refeição de vitalidade, aquele em quem uma fada insuflou, no berço, o gosto do disfarce e da máscara, o horror ao domicílio e a paixão da viagem”

Primeiramente, o autor faz uso da imagem “tomar um banho de multidão”. A ideia de se banhar com uma multidão a princípio causa estranhamento ao leitor, principalmente quando é afirmado que nem todos são capazes de tal ação, o que nos permite inferir que muitos a fazem. No entanto, no decorrer da leitura, a intenção do uso de tal verbo torna-se mais clara. Quando nos banhamos, nós mergulhamos e nos misturamos com a água. A expressão “tomar um banho de multidão”, portanto, significa dizer que ao fazê-lo, a pessoa mergulha na multidão e se mistura com ela, não sendo mais possível identificá-la entre tantas pessoas aglomeradas.

O jogo de palavras antagônicas, que também é característico do simbolismo, torna-se evidente no parágrafo seguinte, na seguinte frase, que é o principal conceito da obra: “quem não sabe povoar a sua solidão também não sabe estar só em meio a uma multidão atarefada”. A partir da citação, podemos inferir que o eu-lírico (se assim podemos chamá-lo) defende que as pessoas necessitam aprender como tirar proveito dos momentos de solidão e dos momentos em meio à multidão. Sendo assim, elas estariam povoando a sua solidão, o que poria fim ao sentimento angustiante que a solidão provoca em muitos, e aprendendo a estar só na multidão, o que permite que elas tenham um momento de paz que só a solidão propicia, mas em meio a um mar de pessoas. Ainda, é possível encontrar outras ideias paradoxais no texto, como “sagrada prostituição da alma”.

A imagética também é bastante forte nos parágrafos subsequentes. No quarto parágrafo, por exemplo, é afirmado que aquele que tem por gosto passear solitário pelas multidões “conhece gozos febris, de que estarão privados para sempre o egoísta, fechado como um cofre, e o preguiçoso, encaramujado feito um molusco”.

No terceiro parágrafo, o autor destrincha a ideia inicial do texto. É elucidado quem são os incapazes de se misturar com a multidão: os poetas. O autor desenvolve a ideia de que os poetas são muito diferentes das outras pessoas e, portanto, não conseguem se tornar invisíveis na multidão. Eles apresentam uma visão de mundo diferente, além da incomparável capacidade de ser eles mesmos e outras pessoas ao mesmo tempo, devido à sua alma poética, que assume diferentes personalidades.

No final do poema em prosa, Baudelaire afirma que não há felicidade equiparável à daqueles que vivem em reclusão e, no entanto, que sabem aproveitar o prazer das multidões, pois são de certo capazes de povoar a solidão e estar só na multidão. A obra é encerrada com a seguinte construção: “e, no seio da vasta família que seu gênio criou, eles devem por vezes rir daqueles que lhes deploram o destino tão agitado e a vida tão casta”. A colocação dessa estrutura ironiza aqueles que ridicularizam a vida dos eremitas, pois após concluir a leitura de “As multidões”, é possível perceber que nem os mais felizes o são tanto como aqueles que sabem lidar com o principal conceito da obra, que possibilita aos reclusos o deleite da “inefável orgia” quando em meio à multidão.


BIBLIOGRAFIA

BAUDELAIRE, Charles. As multidões. In: Pequenos poemas em prosa. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1976.,

VALÉRY, Paul. The position of Baudelaire. In: Baudelaire: a collection of critical essays. Prentice-Hall, Inc.: Englewood Cliffs, 1962.

www.palpitar.com.br/download.php?file=Multidoes.pdf Acessado em 27 de junho de 2009.


ALUNA: Bianca Freitas de Jesus

DRE: 107366076

Teoria Literária III - turma de 3ª feira/7:30h

Um comentário:

  1. Bianca, você fez um texto bastante enxuto, talvez até um pouco econômico no que diz respeito às possibilidades de análise e exploração das ideias trabalhadas acerca do poeta. Mas o resultado final ficou bom, o texto está fluente e bem articulado, com apresentação clara do seu pensamento. Um abraço e boas férias.

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