terça-feira, 30 de junho de 2009

O poema como forma de aprisionamento da linguagem humana

Roberta Avelino de Araujo Oliveira & Leticia David dos Santos

Der Panther
Im Jardin des Plantes, Paris

Sein Blick ist vom Vorübergehn der Stäbe
so müd geworden, dass er nichts mehr hält.
Ihm ist, als ob es tausend Stäbe gäbe
und hinter tausend Stäben keine Welt.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein großer Wille steht.

Nur manchmal schiebt der Vorhang der Pupille
sich lautlos auf -. Dann geht ein Bild hinein,
geht durch der Glieder angespannte Stille -
und hört im Herzen auf zu sein.

Rainer Maria Rilke, 6.11.1902, Paris


A Pantera
No Jardin des Plantes, Paris

De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.
A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.
De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculos se instila
para morrer no coração.
(Tradução: Augusto de Campos)



Antes de tratarmos da forma estrutural do poema “Der Panther” de RainerMaria Rilke é necessário que tenhamos uma breve noção do que se trata o estruturalismo e conheçamos um pouco da obra e do poeta em questão.

Estruturalismo

Segundo Roland Barthes, definimos o estruturalismo como uma atividade com fim específico, que tende a reconstrução de um objeto de modo a refletir regras de funcionamento, nessa reconstituição a forma estrutural do poema, através do recurso lingüístico, cria a imagem e a musicalidade sugerindo a intenção do conteúdo literário do poema, ou seja, a correlação entre a estrutura interna e externa no poema é percebida no discurso através da forma em conjunto com o conteúdo. Neste sentido, trabalharemos os contornos das formas descritas de modo a suscitar o propósito poético por intermédio do estudo da forma estrutural disposta na obra de Rilke.

Rainer Maria Rilke

Foi um dos mais importantes poetas alemães no século XX que se destacou pela originalidade de suas obras, marcadas pelo tratamento da forma e pelas imagens inesperadas. Seu trabalho celebra a união transcendental do mundo e do homem, numa espécie de “espaço cósmico interior”. Sua poesia provocava a reflexão existencialista e instigava os leitores a se defrontarem com questões próprias do desencantamento da primeira metade da existencia humana.

Análise Estrutural

A métrica regular disposta na composição expõe a principal regra de funcionamento baseada na rítmica que o envolve, colocando o término de cada verso em oposição com o seguinte e combinação com o posterior.

Der weiche Gang geschmeidig starker Schritte,
der sich im allerkleinsten Kreise dreht,
ist wie ein Tanz von Kraft um eine Mitte,
in der betäubt ein großer Wille steht.



A tradução de Augusto de Campos mantém as características originais como observamos a seguir:

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.


Na análise da obra poética original e em sua tradução percebe-se que os autores procuram operar como se engendrassem uma escultura criando uma imagem perspectiva na mente. O recurso sistematico utilizado se realiza no plano imagético por meio da pantera, em sua jaula, ela vai se ampliando gradativamente conforme a descrição de cada verso, pressupondo a interpretação metafórica da correlação entre o felino, o humano e suas limitações diante da linguagem.

A rítmica disposta consiste na movimentação que a versificação compõe ao sugerir os movimentos do animal em contraposição ao enjaulamento da existência humana e ainda atrelado ao aprisionamento da própria linguagem como conteúdo do objeto em si.
O uso dos vocábulos a seguir ilustram a idéia central que rege o poema : "a onda andante", "vulto", "círculos concêntricos", "dança", "em torno a um ponto", "impulso", "o fecho [...] se abre".

Todas essas definições da inquietação aparente na fluência da pantera selecionam a inquietação humana em face das suas limitações frente ao uso da própria linguagem (visão metafórica) e a descrição das atividades desenvolvidas como elementos textuais que conduzem a mente a gerar a imagem e a reflexão pretendida.

A organização da estrutura interna descreve os estados fisiológicos da pantera que nada mais arrefece, dissecando a noção de inertibilidade. Ela indica a atribuição de força e agilidade que se impõe pela sua aparência amedrontadora devido ao perigo que oferece , aqui se mostra aprisionada e seus olhos nada mais instilam , indicando que sua persuação esta limitada às grades que desanimam seu impulso e travam seu instito.

Transpondo este aspecto para a tradução feita, é relevante lembrar que Augusto de Campos, em conformidade com Rilke, ressalta as funções orgânicas do ser, para criar a figura do homem retratado no animal selvagem, que foi escolhido por seus atributos ligados à força e agilidade refutando a concepção da inertibilidade do homem, ilustrado em seus instintos naturais que serão abrandados pelas grades que o prendem.

Os versos destacados a seguir elucidam o raciocínio abordado: "o fecho da pupila que se abre em silêncio" no plano imagético é evidenciado a alegoria à um breve pestanejar que suscita a hipótese de um suspiro final, corroborado pela interpretação do verso seguinte: "Uma imagem, então, na tensa paz dos músculos se instila para morrer no coração".

Trazendo esta análise para o cunho metafórico, sugerimos que Rilke também faça uma atribuição a tendência natural da linguagem, ou seja, as funções orgânicas intríssecas à própria língua, que se aprisiona as linhas métricas à que se dispõe no funcionamento rítmico enquadrado. O animal gira em círculos sob um ponto oculto, assim como o poema, que alimentado pelo forte impulso do poeta que se limita a funcionalidade de sua expressão linguística, num impulso que já desanima nas linhas posicionadas e por fim em um breve pestanejar cala os músculos e infiltra no corpo o desejo que enfim morre no coração, mais uma vez aludindo a visão fisiológica no campo estrutural que se encerra ao infringir seu próprio sistema.

O efeito da estrutura externa do poema é depreendido da neutralização entre forma e imagem, a considerar o parâmentro iâmbico. A contiuição dos versos é composta pela por versos decassilabos que ao encerrar o discurso quebra o parâmetro inicial, os versos decassílabos, com a introdução da rendondilha maior para ampliar a visualição da naturalidadefixa empregada na funcionalidade rítimica e métrica que domina o objeto.

Ainda neste último verso distingue-se a harmonia entre a estrutura interna e externa. O original em alemão infere-se a noção de passividade transmitida "ist vom Vorübergehn der Stäbe", as grades passam pelo olhar da pantera, sendo ela inerte e as grades móveis a seu ver .

Ainda sob a análise externa do poema, nota-se que a estrutura rítmica e sonora é envolvente a ponto de não deixar-se perceber, alimentando a estruturação da análise interna. A partir da associação ao pensamento existencialista, claramente reportado por Rilke, é possível afirmar que ele faça esse paralelismo metaforizando a cadeia da existência humana, encarcerada em suas próprias grades que limitam sua condição e desanimam sua realidade, ocasionando seu confinamento e o olhar transitório e excelso que o reporta de tempos em tempos, transparecendo desse modo a articulação da harmonia entre forma e conteúdo.

Um comentário:

  1. Roberta e Letícia,

    vocês deram um bom exemplo de como uma análise que se pode chamar de "estruturalista" não necessariamente será redutora ou empobrecedora. A análise que fizeram valoriza a matéria verbal sem deixar de lado ou fechar a porta para outros entendimentos do poema. Ótimo!

    Boas férias e um abraço!

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