terça-feira, 30 de junho de 2009

Ensaio sobre o texto "A Máquina do Tempo", de Herbert George Wells.

Uma característica marcante de muitos textos literários do século XIX é a mistura de realidade com ficção, a junção do que é real com o que é simbólico ou aparentemente impossível. Esses textos nos mostram o que se passa no interior do indivíduo retratado, dando ênfase todo o tempo ao elemento sobrenatural, à fantasia.
Com essa ênfase, levanta-se uma questão: devemos dar importância apenas à realidade, aquilo que julgamos realmente existir, ou devemos acreditar no que nossos olhos vêem, mas que necessariamente não é considerado real? Talvez haja um outro mundo muito além deste em que vivemos, que parece girar em torno apenas de coisas materiais.
Uma obra do final do século XIX que se utiliza bastante dessa mistura do que é real com o que é simbólico, é a novela de ficção A máquina do tempo de H.G Wells, em que é permitido a um operador viajar ao futuro por sua própria vontade graças a uma máquina do tempo.
O marxismo e o positivismo são duas correntes de pensamento do século XIX diretamente refletidas nesta obra, em que, como característica do marxismo, nota-se um ceticismo da parte do autor com relação à evolução moral da sociedade, e, como característica do positivismo, observa-se a crença no progresso científico da humanidade. Ou seja, a sociedade encontra dificuldades para evoluir moralmente, mas cientificamente, sua evolução é considerável.
A morte, a criação ou a continuidade temporal são barreiras impostas pela natureza ao homem, mas esta obra mostra que o homem está quase vencendo estas barreiras. Este é o motivo pelo qual este livro é considerado fantasista, uma vez que, dentro da realidade, é simplesmente impossível se vencer a morte, enganá-la, viver para sempre. De qualquer forma, mais uma vez, nota-se a natureza como um fator importantíssimo nas decisões de personagens e no desenrolar de estórias, por mais que aquela não seja o tema principal da obra.
Tendo a metáfora como um possível ponto de vista, observa-se que, mesmo fazendo referência ao futuro, ao fato de que o operador da máquina pode ser levado a ele, não é necessariamente a este tempo que a presente novela faz referência. Ela faz referência ao tempo presente, pois a espécie humana é dividida em duas, ou seja, em classes, e hoje, mais do que nunca, esta divisão encontra-se no auge. Por isso, esta obra vai contra a idéia de que a sociedade vá realmente progredir, ou seja, vá ao encontro de um futuro sem classes, com igualdade social.
No primeiro capítulo da obra, o leitor é apresentado ao “O Viajante do Tempo”, como é conhecido o personagem principal. Este “nome” é dado a ele pelo fato de ele possuir uma máquina do tempo, como já foi dito, capaz de levá-lo à Quarta dimensão do tempo, de acordo com suas teorias matemáticas. Então ele finalmente viaja e chega ao ano de 8.002.701, deparando-se com um planeta Terra irreconhecível, uma versão paradisíaca da mesma, diferente do previsto por toda a humanidade de hoje em dia, repleta de (e “governada” por) máquinas. Além do diferente aspecto físico do planeta Terra, o Viajante se depara também com os seres humanos, agora divididos em duas espécies: os pacíficos e dóceis remanescentes dos humanos denominados Elói, habitantes daquele mundo estranhamente paradisíaco, aparentemente sem preocupações, até que o Viajante descobre que estes servem de alimentos para a segunda espécie existente: Os Morlocks. Esta segunda espécie vive no subterrâneo, em cavernas escuras, é irracional e mais forte que os Elói e já havia sido dominada por eles outrora, mas não é mais, pois os membros desta espécie são maiores em número e mais agressivos, além de possuírem aspectos grotescos.
Para surpresa do leitor, os Elói são uma raça parecida com a nossa, mas que retornou a um estágio tribal, em vez de evoluir cada vez mais, o que seria a tendência da humanidade, e vive praticamente como os índios. Como se (num paradoxo,) no futuro, os costumes tivessem retornado a um passado remoto, não mais lembrado. Viviam em permanente estado de contemplação, admirando os seus palácios e suas artes. Eram frágeis devido a pouco ou nenhum trabalho que realizavam. São descritos como belos seres, de finos traços, vestem túnicas e portam-se como anjos celestiais no paraíso. Os Morlocks, já descritos, eram completamente o oposto destas criaturas “celestiais”. Com a grande diferença das duas espécies, pode-se dizer que, apesar de tudo, ainda existia um equilíbrio na natureza, uma oposição natural, que existe hoje em dia, por exemplo, no reino animal, espécies matando outras com o único propósito de se alimentarem.
Esta diferença, entretanto, não impediu que o Viajante percebesse as semelhanças entre as duas espécies e finalmente descobrisse que ambas eram descendentes de uma única raça: os seres humanos. Mas o que o intrigava era o porquê da separação da raça humana em duas espécies no futuro, levando-o a desenvolver teorias, tentando encontrar respostas no passado do que ele testemunhava no futuro. Finalmente o Viajante, após observar seu comportamento, chega à conclusão de que os Elóis, a espécie frágil e “celestial”, seriam descendentes da burguesia. A descrição da obra os mostra como um povo despreocupado com a vida, pois apenas colhiam os frutos abundantes da terra, que, por sua vez, eram produzidos pela outra espécie, os Morlocks, que seriam a classe operária e, conseqüentemente, descendente da mesma. A explicação escolhida pelo autor da obra para tal situação é um crescente distanciamento entre as classes. Tal distanciamento acaba por relacionar essas duas classes, de modo que os pobres, cada vez mais pobres, continuavam trabalhando para deixar os ricos cada vez mais ricos.
É aí, então, que se explica o porquê dos Morlocks viverem no subterrâneo. Com o tempo e a crescente evolução tecnológica, o planeta Terra ficou super povoado, não existindo mais lugares na cidade para serem ocupados, obrigando assim, os trabalhadores (obviamente, a classe social inferior) a viverem debaixo da terra. Lá eles sofreram uma degeneração progressiva que finalmente os transformou nos agressivos Morlocks. A burguesia, como não se preocupava com nada, se transformou nos frágeis Elóis, que, por conta disso, passam o tempo desfrutando dos prazeres que a vida oferece.
Esta teoria a que o Viajante chegou é tão brilhante e crucial ao espírito crítico da obra à sociedade, que merece ser mostrada na íntegra:

"Em primeiro lugar, refletindo a partir dos problemas de nossa época, a mim parecia claro, tal como a luz do dia, que um aumento gradual da separação meramente temporária e social entre capitalistas e trabalhadores era a chave de tudo. Sem dúvida, isso vai lhes parecer bastante grotesco, e demais incrível, e, no entanto, existem hoje, circunstancias que apontam nessa direção. Há uma tendência de utilizar os espaços subterrâneos para os propósitos menos ostentatorios da civilização, e eles crescem e se multiplicam. Evidentemente, pensei, essa tendência teria aumentado ate que a industria tivesse gradualmente perdido seu direito ao ar livre. Digo, ela havia ido mais para o fundo em fabricas subterrâneas cada vez maiores, passando um tempo mais e mais longo lá dentro, até que no fim... Mesmo agora, um trabalhador ocidental não vive em condições tão artificiais que praticamente o retiram da superfície da Terra? (H.G. WELLS, p.70)


Em segundo lugar, a tendência exclusivista aos ricos, devida, sem duvida, ao crescimento refinamento de sua educação e ao crescente afastamento em relação a rude violência dos pobres, já é a de se fecha, para seu próprio interesse em consideráveis áreas da superfície da terra. (H. G. WELLS, p 70, 71)


Assim, ao final, sobre o solo teremos os Privilegiados, vivendo pelo prazer, e pelo conforto e beleza, e abaixo os Desprivilegiados, os trabalhadores que tem continuamente de se adaptar as condições de seu emprego. Um vez, no subterrâneo, eles teriam sem duvida que pagar, e não pouco, para ter ventilação em suas cavernas; e se recusassem, seriam deixados sem comida ou sufocados de trabalho. (H. G. WELLS, p.71)"


Até então, a relação burguesia x operários não havia mudado em nada, de modo que, os Elóis continuavam sendo a classe frágil e despreocupada e os Morlocks, a classe agressiva e trabalhadora. Não fosse pelo fato de que, ao decorrer da obra, percebe-se que de algum modo, em algum período do tempo, os Morlocks se rebelaram e passaram a ter o controle sobre os Elóis, que, por sua vez, se tornaram os escravos dos Morlocks. Ironicamente, nota-se que a estrutura se inverteu de um modo radical, pois hoje em dia, os operários não são escravos da burguesia, eles possuem seus direitos, mas milênios depois, a burguesia não só se torna escrava da classe operária, como ainda é devorada por ela, como é visto na obra.
O Viajante chega a tal conclusão após fazer comparações em sua mente, das épocas, das circunstâncias e do estado em que os seres humanos se encontravam. Situações deprimentes, na verdade, tanto dos Morlocks, que chegaram ao ponto de devorar outro seres humanos, como dos Elóis, que se deixavam devorar (talvez por falta de opção). Apesar do horror que tomava conta da mente do Viajante, este ainda conseguiu chegar a uma outra reflexão: a de que os seres humanos estavam sendo punidos pelo egoísmo do passado. A necessidade de se alimentar que fazia os operários trabalharem para os burgueses séculos atrás, fez com que aqueles, pela mesma necessidade (um pouco mais forte, como se pode notar) os fizessem de alimento.
Segundo Wells, a mesma fragilidade desenvolvida pela burguesia e mantida nos Elóis, séculos depois, por não terem trabalho com absolutamente nada, os tornou presas fáceis para aqueles que uma vez os serviram, e agora se servem deles, os Morlocks. A necessidade foi a principal causadora deste canibalismo, pois, uma vez escassos seus alimentos, os Morlocks não poderiam parar de se alimentar, então, o sangue carnívoro que sempre correu nas veias do ser humano, desde épocas remotas, os fez lembrar de que ainda restava bastante alimento. Tudo o que deveriam fazer era seguir seu instinto carnívoro, uma vez que seu senso do que é certo e errado já havia se extinguido, possivelmente, há séculos É a ironia da vida sendo evidenciada mais uma vez.
Em suma, após todas as experiências do Viajante, após ele perceber a diferença de duas espécies completamente diferentes que surgiram de uma mesma classe, a do ser humano, podemos perceber que essas duas espécies estão interligadas. Elas são interdependentes, uma não existe sem a outra. A interdependência dessas duas espécies nos mostra, então, que o mundo não pode viver sem classes sociais, pois se uma for extinta, a outra também será. Sendo assim, há a possibilidade de a humanidade estar, sim, destinada a um futuro como aquele testemunhado pelo Viajante.

Referência:
H.G. Wells. A máquina do tempo. 1895;

Por:
Thiago dos Santos França
DRE: 107366848
Teoria Literária IV - às quintas-feiras, das 9:20h às 11:00h

Um comentário:

  1. Thiago, seu trabalho é interessante, mas não mostra qualquer relação com o que discutimos durante o período. Parece que você apresentou um texto feito para outra disciplina, apenas para obter a nota. Nesse sentido, cumpriu seu objetivo. Abraço e boas férias.

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.