No poema Paisagem, Baudelaire primeiramente retoma algo do passado, visto que quer vivenciar algo que não faz mais parte da vida das pessoas da sociedade atual. E o que é retomado é a églogues. Ela é um tipo de poema pastoril do classicismo francês que possui um padrão de forma fixa, isto é, possui regras estéticas bem definidas, além de ser um poema que dialogava com as pessoas que a liam. Por ser pastoril, ela refere-se muito a natureza, assim caracterizando o sublime. E é isso que Baudelaire queria vivenciar, pois o mundo atual não estava mais ligado ao sublime. E também é através dessa retomada que o poeta demonstra sua insatisfação com a perda do contato da poesia com o coletivo. Assim, Baudelaire se fecha, bem ou mal, do mundo contemporâneo. Ele aspirava ser compreendido, porém sua poesia não é muito aceita, ainda mais que ele passou a pôr nos seus poemas o grotesco. A forma forte e crítica de expor a realidade da sociedade atual fez com que as pessoas não se sentissem à vontade com seus poemas. Apesar de Baudelaire retomar ao passado ao citar a églogues, ele ao longo de todo o poema trabalha em cima do presente.
A fábrica, as torres, as chaminés demonstram como as cidades estavam cada vez mais se modernizando. E em meio a essas questões, o poeta faz uma projeção para o céu, visto que este transmite um sentimento de liberdade em um espaço de projeção de amplitude.
O poeta não quer viver no mundo onde ele não consegue mais dialogar com a sociedade, apesar de estar inserido nela. Então ele cria, projeta através da idealização da natureza o seu próprio espaço. Um espaço no qual se pode vivenciar o sublime. O autor está se trancando no seu interior de forma subjetiva. Ele está criando o seu próprio lugar com o objetivo de fugir da sociedade na qual vive.
São interessantes as palavras Tumulto e Primavera, no final do poema. Baudelaire, ao destacar as duas palavras deixou evidente a oposição entre o mundo contemporâneo e o mundo idealizado. A palavra Tumulto representa a vida urbana, o caos das cidades, a multidão, a correria, ou seja, tudo aquilo que é resultado da modernidade. Já a palavra Primavera tem sentido de algo com puro esplendor natural, relacionado à natureza na qual Baudelaire tanto aspira.
O que Adorno discute em sua palestra o que está no poema de Baudelaire é a questão da dialética sobre o lírico fora da sociedade, mas que ao mesmo tempo está inserido nela. É através da sua experiência individual que o poeta dá forma para alcançar a experiência do coletivo. A lírica permitiu o poeta expressar a sua subjetividade e antagonismo. As experiências individuais só conquistam o universal e só se tornam artísticas quando o poeta, com sua experiência individual, dá forma estética a estas. Assim, impactando todos que lêem as poesias, ou seja, conseguindo atingir o universal.
O eu lírico se refugia na sua própria individualidade, pois não há espaço na sociedade para que ele trabalhe o sublime. Com isso, ele acaba criando um espaço limitado, criando o isolado. O refúgio da subjetividade se contrapõe ao próprio andamento do mundo contemporâneo.
A modernidade do início do século vinte modificou muito o pensar das pessoas, principalmente em relação à arte. A arte passou a ser para a sociedade moderna uma forma de entretenimento, de lazer nas horas vagas. Ocorreu a perda da arte como parte da vida das pessoas. Com o crescimento das indústrias, do consumo em massa, da modernização das cidades a arte passou a ter papel superficial dentro da sociedade.
O poema A Uma Passante que também é de Baudelaire também discute a questão da perda de comunicação da lírica com o universal. O poeta diz:
A rua em torno era um frenético alarido.
Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou; com sua mão suntuosa
Erguendo e sacudindo a barra do vestido.
Pernas de estátua, era lhe a imagem nobre e fina.
Qual o bizarro basbaque, afoito eu lhe bebia
No olhar, céu lívido onde aflora a ventania,
A doçura que envolve e o prazer que assassina.
Que luz... e a noite após! – Efêmera beldade
Cujos olhos me fazem nascer outra vez,
Não hei mais de te ver senão na eternidade?
Longe daqui! tarde demais! nunca talvez!
Pois de ti já me fui, de mim tu já fugiste,
Tu que eu teria amado, ó tu que bem o viste!
Em torno do sublime, que no poema é representado por uma mulher, há o mundo contemporâneo, o mundo tumultuado, há a multidão nas cidades urbanas. E o poeta passeia em meio ao mundo que o nega, que não o percebe, ou seja, o poeta cria, trabalha com o sublime no seu individual, apesar de estar dentro do coletivo. Só quem se comunica com o sublime é o individual.
Na segunda estrofe, o poeta no seu individual trabalha o sublime pondo como cenário a amplitude do céu. Mostrando o total envolvimento com o sublime. Na terceira estrofe o poeta expõe sua dúvida em relação ao contato do idealizado com o mundo contemporâneo. O final do poema retrata de forma forte a questão da perda do sublime e a sua negação. Nesta parte do poema o poeta vê o sublime passando na sua vida de forma rápida, ele não tem certeza quando vivenciará aquilo que por um momento lhe deu prazer. O que é sublime não se interage mais com as pessoas, não há comunicação entre o sublime e a sociedade atual.
Na lírica, a oposição entre o poeta e o universal não está no conteúdo, mas sim na forma. É através da forma que o poeta dá ao poema que se percebe as questões do mundo contemporâneo, da vida social. A linguagem é uma via de expressão pela própria forma. Baudelaire passa a não utilizar uma linguagem convencional, a qual todos estavam acostumados a ler, mas sim passa a demonstrar seu antagonismo utilizando-se de uma linguagem “difícil de ser mastigada”.
Bibliografia:
Adorno, Theodor Wisengrund, Palestra sobre lírica e sociedade
Baudelaire, Charles. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1995.
Por NATALIA RODRIGUES FERNANDES 107.367.917
ANEXO: Original e duas traduções de Paisagem
TABLEAUX PARISIENS
LXXXVI - Paysage
Charles Baudelaire
Je veux, pour composer chastement mes églogues,.
Coucher auprès du ciel, comme les astrologues,
Et, voisin des clochers, écouter en rêvant
Leurs hymnes solennels emportés par le vent.
Les deux mains au menton, du haut de ma mansarde,
Je verrai l'atelier qui chante et qui bavarde
Les tuyaux, les clochers, ces mâts de la cité,
Et les grands ciels qui font rêver l'éternité.
Il est doux, à travers les brumes, de voir naître
L'étoile dans l'azur, la lampe à la fenêtre
Les fleuves de charbon monter au firmament
Et la lune verser son pâle enchantement,
Je verrai les printemps, les étés, les automnes ;
Et quand viendra l'hiver aux neiges monotones,
Je fermerai partout portières et volets
Pour bâtir dans la nuit mes féeriques palais.
Alors je rêverai des horizons bleuâtres,
Des jardins, des jets d'eau pleurant dans les albâtres,
Des baisers, des oiseaux chantant soir et matin,
Et tout ce que l'Idylle a de plus enfantin.
L'Emeute, tempêtant vainement à ma vitre,
Ne fera pas lever mon front de mon pupitre
Car je serai plongé dans cette volupté
D'évoquer le Printemps avec ma volonté,
De tirer un soleil de mon cœur, et de faire
De mes pensers brûlants une tiède atmosphère
QUADROS PARISIENSES
LXXXVI - Paisagem
Tradução: Ivan Junqueira
Quero, para compor os meus castos monólogos,
Deitar-me ao pé do céu, assim como os astrólogos,
E, junto ao campanário escutar sonhando
Solenes cânticos que o vento vai levando.
As mãos sob meu queixo, só, na água-furtada,
Verei a fábrica em azáfama engolfada;
Torres e chaminés, os mastros da cidade,
E o vasto céu que faz sonhar a eternidade.
É doce ver, em meio à bruma que nos vela,
Surgir no azul a estrela e a lâmpada à janela,
Os rios de carvão galgar o firmamento,
E a lua derramar seu suave encantamento.
Verei a primavera, o estio e o outono; e quando
Com seu lençol de neve, o inverno for chegando,
Cada postigo fecharei com os férreos elos
Para na noite erguer meus mágicos castelos.
Hei de sonhar então com os azulados astros,
Jardins onde a água chora em meio aos alabastros,
Beijos, aves que cantam de manhã à tarde,
E tudo o que no Idílio de infantil se guarde.
O Tumulto, golpeando em vão contra a vidraça,
Não me fará volver frente ao que se passa,
Pois que estarei entregue ao voluptuoso alento
De relembrar a Primavera em pensamento
E quando na alma colher, tal como quem, absorto,
Entre as idéias goza um tépido conforto.
QUADROS PARISIENSES
LXXXVI - Paisagem
Tradução atribuída a Jamil Haddad (?)
Quero, para compor os meus castos monólogos,
Deitar-me junto ao céu, à moda dos astrólogos,
E, vizinho do sino, escutar cismarento,
Os seus hinos marciais, levados pelo vento.
As mãos postas no queixo, eu do alto da mansarda,
Hei de ver a oficina a cantar na hora parda;
Torres e chaminés, os mastros da cidade,
Grandes céus a fazer sonhar a eternidade.
É sempre doce ver que à tarde a bruma vela
A estrela pelo azul e a lâmpada à janela,
Os rios de carvão irem ao firmamento,
Como a Lua, verter seu frouxo encantamento.
Eu hei de ver a primavera, o outono e o estio;
E quando o inverno vier, monótono em seu frio,
Por tudo fecharei cortinas e portões
Para construir na noite as feéricas mansões.
Sonharei com o poente azul e com seus astros,
Repuxos no jardim chorando entre alabastros,
Beijos como canções desde a manhã à tarde,
Tudo o que de infantil o Idílio ainda guarde.
O Alvoroço lá fora em tempestade cresça
Mas eu nunca erguerei da carteira a cabeça;
Mergulhado serei nesta sensualidade
Do mês de abril chamar só com minha vontade,
De um sol todo extrair de minha alma, que espera
Mudar meu peito ardente em tépida atmosfera.
Você fez um bom trabalho, escolhendo um poema bem representativo da poética baudelaireana. O seu texto, que aponta questões pertinentes da obra do poeta, poderia ter um pouco mais de fluidez, mas é compatível com seu nível de formação. Tomei a liberdade de acrescentar, em anexo, o original e duas traduções do poema. Então fica a dica: quando tomar um poema como objeto de trabalho, nao se esqueça de citá-lo textualmente, isso facilita o entendimento da sua análise. Enfim, o trabalho está bom. Boas férias e um abraço. As notas seguem após a leitura completa dos trabalhos.
ResponderExcluir