terça-feira, 30 de junho de 2009

Estruturalismo: Definição e Origem

Por Mariana Vera Cruz Pereira

Estruturalismo

1 -Definição e origem

De acordo com estudiosos e críticos literários, o termo estruturalismo não seria uma escola ou um movimento literário pelo fato de seus autores não estarem presos a nenhuma doutrina específica. Estruturalismo seria um léxico ao qual as ciências sociais recorrem com freqüência. Nessa complicada tentativa de definir e entender o que o termo em questão representa e significa, seria prudente começar pela definição dada ao mesmo pelo dicionário da língua portuguesa.

Estruturalismo (s. m.)

1. Teoria lingüística que considera a língua como um conjunto estruturado, onde as analogias definem os termos.
2. Tendência comum a várias ciências humanas (psicologia, etnologia, etc. ), que visam definir um feito humano em função dum conjunto organizado e dar conta deste último com o auxílio de fórmulas matemáticas. (http://www. priberam.pt)

A primeira definição resume o termo como sendo uma teoria que considera a língua como um conjunto estruturado. Entende-se por estrutura por um sistema abstrato em que os elementos constituintes são interdependentes e que possuem ordenação e dinamismo próprios. O método de análise estruturalista examina as relações e funções desses elementos considerando que não há fatos isolados e sim partes de um todo com alguma relação interna.

O estruturalismo é uma atividade, sucessão de uma certa quantidade de operações mentais. Partindo desse princípio é possível falar em atividade estruturalista cujo objetivo seria reconstituir um objeto de estudo.

Wilhelm Wund

A ligação do método estruturalista de pensar com a psicologia teve origem na escola psicologia de Wilhelm Wund, onde se pretendia determinar a estrutura da mente com a finalidade de compreender os fenômenos mentais através da decomposição dos estados da consciência produzidos pelos estímulos ambientais. As sensações visuais, táteis e olfativas foram medidas e classificadas, os sentimentos e emoções foram pesquisados e a introspecção, olhar para dentro, foi adotado.
Os estudos de Wund deram origem a diversas ramificações e tendências, entre elas está o Estruturalismo.

Saussure

A segunda definição liga o termo a lingüística e a psicologia. O Estruturalismo tem sua origem ligada a lingüística e a psicologia do século XX. Ferdinand de Saussure, lingüista suíço, forneceu bases teóricas para a lingüística estrutural e para a semiologia, estudo dos signos. Em seus estudos Saussure divide o estudo da linguagem em sincrônico e diacrônico que serão melhor definidos no tópico seguinte.

1.1 - Sincronia e Diacronia

A análise sincrônica de um dado é estática e descritiva; ou seja, estuda o funcionamento da língua e sua constituição como fonemas, gramática e palavras. É o estudo do objeto em si, imóvel no tempo, e das relações existentes no sistema da língua no presente ou no passado.
O estudo diacrônico é evolutivo e histórico, se concentra nas mudanças da língua através do tempo. É o estudo da lingüística histórica analisando a relação de um fato com seus anteriores e posteriores. A diacronia pode ser dividida em duas vertentes: história externa e interna.
A primeira está ligada ao estudo das relações existentes entre fatores sócio-culturais e evolução lingüística. A segunda se concentra na evolução estrutural, fonológica e morfossintática.


1.2 - Significado e Significante

Significante é o signo, o elemento perceptível na forma gráfica ou sonora.
Significado é a tradução do significado, seu sentido e os conceitos ele traz quando enunciado.

A união do significado com o significante dá origem ao que pode-se chamar de signo.


Bibliografia:

A atividade estruturalista- Rolland
DOSSE, François. História do estruturalismo. v. 1. O campo do signo, 1945/1966. Trad. Alvaro Cabral. São Paulo: Ensaio, 1993
Farr, Robert M. As raízes da psicologia social moderna. RJ, Petrópolis, Vozes, 2008


Mariana Vera Cruz Pereira DRE:105050344

Ensaio sobre o texto "A Máquina do Tempo", de Herbert George Wells.

Uma característica marcante de muitos textos literários do século XIX é a mistura de realidade com ficção, a junção do que é real com o que é simbólico ou aparentemente impossível. Esses textos nos mostram o que se passa no interior do indivíduo retratado, dando ênfase todo o tempo ao elemento sobrenatural, à fantasia.
Com essa ênfase, levanta-se uma questão: devemos dar importância apenas à realidade, aquilo que julgamos realmente existir, ou devemos acreditar no que nossos olhos vêem, mas que necessariamente não é considerado real? Talvez haja um outro mundo muito além deste em que vivemos, que parece girar em torno apenas de coisas materiais.
Uma obra do final do século XIX que se utiliza bastante dessa mistura do que é real com o que é simbólico, é a novela de ficção A máquina do tempo de H.G Wells, em que é permitido a um operador viajar ao futuro por sua própria vontade graças a uma máquina do tempo.
O marxismo e o positivismo são duas correntes de pensamento do século XIX diretamente refletidas nesta obra, em que, como característica do marxismo, nota-se um ceticismo da parte do autor com relação à evolução moral da sociedade, e, como característica do positivismo, observa-se a crença no progresso científico da humanidade. Ou seja, a sociedade encontra dificuldades para evoluir moralmente, mas cientificamente, sua evolução é considerável.
A morte, a criação ou a continuidade temporal são barreiras impostas pela natureza ao homem, mas esta obra mostra que o homem está quase vencendo estas barreiras. Este é o motivo pelo qual este livro é considerado fantasista, uma vez que, dentro da realidade, é simplesmente impossível se vencer a morte, enganá-la, viver para sempre. De qualquer forma, mais uma vez, nota-se a natureza como um fator importantíssimo nas decisões de personagens e no desenrolar de estórias, por mais que aquela não seja o tema principal da obra.
Tendo a metáfora como um possível ponto de vista, observa-se que, mesmo fazendo referência ao futuro, ao fato de que o operador da máquina pode ser levado a ele, não é necessariamente a este tempo que a presente novela faz referência. Ela faz referência ao tempo presente, pois a espécie humana é dividida em duas, ou seja, em classes, e hoje, mais do que nunca, esta divisão encontra-se no auge. Por isso, esta obra vai contra a idéia de que a sociedade vá realmente progredir, ou seja, vá ao encontro de um futuro sem classes, com igualdade social.
No primeiro capítulo da obra, o leitor é apresentado ao “O Viajante do Tempo”, como é conhecido o personagem principal. Este “nome” é dado a ele pelo fato de ele possuir uma máquina do tempo, como já foi dito, capaz de levá-lo à Quarta dimensão do tempo, de acordo com suas teorias matemáticas. Então ele finalmente viaja e chega ao ano de 8.002.701, deparando-se com um planeta Terra irreconhecível, uma versão paradisíaca da mesma, diferente do previsto por toda a humanidade de hoje em dia, repleta de (e “governada” por) máquinas. Além do diferente aspecto físico do planeta Terra, o Viajante se depara também com os seres humanos, agora divididos em duas espécies: os pacíficos e dóceis remanescentes dos humanos denominados Elói, habitantes daquele mundo estranhamente paradisíaco, aparentemente sem preocupações, até que o Viajante descobre que estes servem de alimentos para a segunda espécie existente: Os Morlocks. Esta segunda espécie vive no subterrâneo, em cavernas escuras, é irracional e mais forte que os Elói e já havia sido dominada por eles outrora, mas não é mais, pois os membros desta espécie são maiores em número e mais agressivos, além de possuírem aspectos grotescos.
Para surpresa do leitor, os Elói são uma raça parecida com a nossa, mas que retornou a um estágio tribal, em vez de evoluir cada vez mais, o que seria a tendência da humanidade, e vive praticamente como os índios. Como se (num paradoxo,) no futuro, os costumes tivessem retornado a um passado remoto, não mais lembrado. Viviam em permanente estado de contemplação, admirando os seus palácios e suas artes. Eram frágeis devido a pouco ou nenhum trabalho que realizavam. São descritos como belos seres, de finos traços, vestem túnicas e portam-se como anjos celestiais no paraíso. Os Morlocks, já descritos, eram completamente o oposto destas criaturas “celestiais”. Com a grande diferença das duas espécies, pode-se dizer que, apesar de tudo, ainda existia um equilíbrio na natureza, uma oposição natural, que existe hoje em dia, por exemplo, no reino animal, espécies matando outras com o único propósito de se alimentarem.
Esta diferença, entretanto, não impediu que o Viajante percebesse as semelhanças entre as duas espécies e finalmente descobrisse que ambas eram descendentes de uma única raça: os seres humanos. Mas o que o intrigava era o porquê da separação da raça humana em duas espécies no futuro, levando-o a desenvolver teorias, tentando encontrar respostas no passado do que ele testemunhava no futuro. Finalmente o Viajante, após observar seu comportamento, chega à conclusão de que os Elóis, a espécie frágil e “celestial”, seriam descendentes da burguesia. A descrição da obra os mostra como um povo despreocupado com a vida, pois apenas colhiam os frutos abundantes da terra, que, por sua vez, eram produzidos pela outra espécie, os Morlocks, que seriam a classe operária e, conseqüentemente, descendente da mesma. A explicação escolhida pelo autor da obra para tal situação é um crescente distanciamento entre as classes. Tal distanciamento acaba por relacionar essas duas classes, de modo que os pobres, cada vez mais pobres, continuavam trabalhando para deixar os ricos cada vez mais ricos.
É aí, então, que se explica o porquê dos Morlocks viverem no subterrâneo. Com o tempo e a crescente evolução tecnológica, o planeta Terra ficou super povoado, não existindo mais lugares na cidade para serem ocupados, obrigando assim, os trabalhadores (obviamente, a classe social inferior) a viverem debaixo da terra. Lá eles sofreram uma degeneração progressiva que finalmente os transformou nos agressivos Morlocks. A burguesia, como não se preocupava com nada, se transformou nos frágeis Elóis, que, por conta disso, passam o tempo desfrutando dos prazeres que a vida oferece.
Esta teoria a que o Viajante chegou é tão brilhante e crucial ao espírito crítico da obra à sociedade, que merece ser mostrada na íntegra:

"Em primeiro lugar, refletindo a partir dos problemas de nossa época, a mim parecia claro, tal como a luz do dia, que um aumento gradual da separação meramente temporária e social entre capitalistas e trabalhadores era a chave de tudo. Sem dúvida, isso vai lhes parecer bastante grotesco, e demais incrível, e, no entanto, existem hoje, circunstancias que apontam nessa direção. Há uma tendência de utilizar os espaços subterrâneos para os propósitos menos ostentatorios da civilização, e eles crescem e se multiplicam. Evidentemente, pensei, essa tendência teria aumentado ate que a industria tivesse gradualmente perdido seu direito ao ar livre. Digo, ela havia ido mais para o fundo em fabricas subterrâneas cada vez maiores, passando um tempo mais e mais longo lá dentro, até que no fim... Mesmo agora, um trabalhador ocidental não vive em condições tão artificiais que praticamente o retiram da superfície da Terra? (H.G. WELLS, p.70)


Em segundo lugar, a tendência exclusivista aos ricos, devida, sem duvida, ao crescimento refinamento de sua educação e ao crescente afastamento em relação a rude violência dos pobres, já é a de se fecha, para seu próprio interesse em consideráveis áreas da superfície da terra. (H. G. WELLS, p 70, 71)


Assim, ao final, sobre o solo teremos os Privilegiados, vivendo pelo prazer, e pelo conforto e beleza, e abaixo os Desprivilegiados, os trabalhadores que tem continuamente de se adaptar as condições de seu emprego. Um vez, no subterrâneo, eles teriam sem duvida que pagar, e não pouco, para ter ventilação em suas cavernas; e se recusassem, seriam deixados sem comida ou sufocados de trabalho. (H. G. WELLS, p.71)"


Até então, a relação burguesia x operários não havia mudado em nada, de modo que, os Elóis continuavam sendo a classe frágil e despreocupada e os Morlocks, a classe agressiva e trabalhadora. Não fosse pelo fato de que, ao decorrer da obra, percebe-se que de algum modo, em algum período do tempo, os Morlocks se rebelaram e passaram a ter o controle sobre os Elóis, que, por sua vez, se tornaram os escravos dos Morlocks. Ironicamente, nota-se que a estrutura se inverteu de um modo radical, pois hoje em dia, os operários não são escravos da burguesia, eles possuem seus direitos, mas milênios depois, a burguesia não só se torna escrava da classe operária, como ainda é devorada por ela, como é visto na obra.
O Viajante chega a tal conclusão após fazer comparações em sua mente, das épocas, das circunstâncias e do estado em que os seres humanos se encontravam. Situações deprimentes, na verdade, tanto dos Morlocks, que chegaram ao ponto de devorar outro seres humanos, como dos Elóis, que se deixavam devorar (talvez por falta de opção). Apesar do horror que tomava conta da mente do Viajante, este ainda conseguiu chegar a uma outra reflexão: a de que os seres humanos estavam sendo punidos pelo egoísmo do passado. A necessidade de se alimentar que fazia os operários trabalharem para os burgueses séculos atrás, fez com que aqueles, pela mesma necessidade (um pouco mais forte, como se pode notar) os fizessem de alimento.
Segundo Wells, a mesma fragilidade desenvolvida pela burguesia e mantida nos Elóis, séculos depois, por não terem trabalho com absolutamente nada, os tornou presas fáceis para aqueles que uma vez os serviram, e agora se servem deles, os Morlocks. A necessidade foi a principal causadora deste canibalismo, pois, uma vez escassos seus alimentos, os Morlocks não poderiam parar de se alimentar, então, o sangue carnívoro que sempre correu nas veias do ser humano, desde épocas remotas, os fez lembrar de que ainda restava bastante alimento. Tudo o que deveriam fazer era seguir seu instinto carnívoro, uma vez que seu senso do que é certo e errado já havia se extinguido, possivelmente, há séculos É a ironia da vida sendo evidenciada mais uma vez.
Em suma, após todas as experiências do Viajante, após ele perceber a diferença de duas espécies completamente diferentes que surgiram de uma mesma classe, a do ser humano, podemos perceber que essas duas espécies estão interligadas. Elas são interdependentes, uma não existe sem a outra. A interdependência dessas duas espécies nos mostra, então, que o mundo não pode viver sem classes sociais, pois se uma for extinta, a outra também será. Sendo assim, há a possibilidade de a humanidade estar, sim, destinada a um futuro como aquele testemunhado pelo Viajante.

Referência:
H.G. Wells. A máquina do tempo. 1895;

Por:
Thiago dos Santos França
DRE: 107366848
Teoria Literária IV - às quintas-feiras, das 9:20h às 11:00h

Arte como procedimento

A “arte como procedimento” é, antes de tudo, a explicação da arte por um método. A idéia veio dos formalistas russos que tinham como propósito estudar e descobrir como funciona a literatura (daí até gostariam de ser chamados ‘funcionalistas russos’).

O objeto de estudo da literatura não devia ser então o texto literário e sim os elementos que o encaixam na categoria ‘literário’. A isso, Jakobson chamou “Literariedade” e para isso necessita-se uma técnica, um procedimento

Da linguagem cotidiana fazem parte a clareza, o automatismo, o hábito e a familiaridade. Na arte o que prevalece é o obscuro, o aumento da dificuldade e da percepção. A função, por assim dizer, da linguagem artística é causar estranhamento; só é arte o que desfamiliariza.

Para ilustrar o estranhamento proveniente da arte, da poesia, da literatura, mencionarei Graciliano Ramos, que criou uma linguagem tão única que beirou o anormal. No texto “Nós, os temulentos”, do autor mencionado, milhares de vocábulos são simplesmente criados – além do presente no do próprio título – como sozinhidão, embriagatinhava, duvidações, entre outros.

A poesia é uma maneira particular de pensar, um pensamento formado por imagens. Sem imagens, não há arte, pois esta é antes de tudo criadora de símbolos.

Apesar disso, o pensamento por imagens não é o vínculo que une todas as formas de arte. Muitos acreditam que este pensamento deve representar o traço principal da poesia, mas não deve ser esquecido que a imagem criada por ela é apenas o que nos indica um determinado pensamento. A imagem poética é um dos meios de criar uma impressão máxima; a imagem prosaica é um meio de abstração.

Potebnia, pensador ucraniano mencionado no início do artigo, reduziu a relação poesia-imagem ao que se chama equação (poesia = imagem) que, posteriormente, serviu de fundamento para a teoria que afirma imagem = símbolo. Tal conclusão é encontrada na teoria simbolista.

A arte, segundo o Chklovski, devolve a sensação de vida, para sentir e experimentar os objetos. Seu objetivo é dar uma idéia do objeto como visão; seu procedimento é o da singularização dos objetos. A obra de arte se estende da visão ao reconhecimento.

Ao decorrer do texto, o autor exemplifica, com trechos de obras de Tostoi, o procedimento da singularização. Segundo Chklovski, L. Tostoi descrevia os objetos do jeito que realmente são, sem os deformar, mostrando uma imagem real daquilo que diz. Assim, concluiu o autor que “o objetivo da imagem não é tornar mais próxima de nossa compreensão a significação que ela traz, mas criar uma percepção particular do objeto, criar uma visão e não o seu reconhecimento.”

A seguir, nos é mostrado exemplos de arte erótica, que permite uma melhor observação das funções da imagem. Após a análise de alguns trechos, conclui-se que “a singularização não é somente um procedimento de adivinhações eróticas ou de eufemismo; (...) Cada adivinhação é uma descrição.”

Por fim Chklovski dá atenção ao discurso: “Examinando a língua poética (...), percebemos que o caráter estético se revela sempre pelos mesmos signos (...).” “Em certos casos particulares, a língua da poesia se aproxima da língua da prosa (...).”. Dessa forma, percebe-se o que foi dito anteriormente: a língua da prosa, ainda que sendo a mesma da poesia se difere principalmente no quesito estética. Uma retrata o cotidiano, o habitual. A outra, o diferente, o estranho.

A arte, vista de uma forma ou de outra, é aqui vista como procedimento, ou seja, como uma fórmula a ser decifrada.


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Bibliografia:


CHKLOVSKI, Viktor. "A Arte como Procedimento"; 1917.

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Renan Fernandes Gama Basilio DRE:107368298
TEoria Literária III


Os mistérios do espelho tendo como base o conto O Espelho de Guimarães Rosa.

O conto O Espelho, de Guimarães Rosa, detalha a experiência de um eu-lírico que decide, após olhar-se no espelho e ver uma imagem repulsiva, aprofundar-se no seu eu, se aventurar numa viagem de conhecimento de si mesmo para encontrar o transcendente e conhecer-se de maneira profunda – análise essa que se dá pouco a pouco; o personagem observa os fatos da trajetória e preza seu caminho nessa constante busca e reconhecimento de um auto-conhecimento. O tema da identidade é tratado com a metáfora de se reconhecer e não se reconhecer através de um espelho.
O autor utiliza uma narrativa em primeira pessoa em contato direto com o leitor como um diálogo constante, em que este é chamado a adentrar no mundo paralelo, na viagem insólita a qual é chamado pelo viajante. A intenção não é a de alardear fatos ou produzir efeitos encontrados nos textos de ficção, mas simplesmente narrar a experiência que questiona a lógica e o sentido de existir.
No início do conto são expostas as -duvidosas faces que um espelho pode proporcionar, explicando o quão dúbio e infiel este pode ser e deixando claro o fato de que acreditar na imagem que se vê é de total ignorância de novas experiências – há espelhos que deformam, há aqueles que melhoram a imagem e aqueles que, raramente, parecem realmente mostrar o que está do outro lado.
Então quando saber se estão sendo sinceros? Como saber quem somos, de verdade, se cada espelho mostra uma face diferente? Trata-se de detalhes pequenos que fazem a diferença num contexto mais amplo. O autor dá a possibilidade do leitor questionar-se sobre a veracidade dos mistérios da mudança a partir desse objeto exterior e interior. Dá ainda o exemplo das fotografias, mas logo depois retruca colocando em evidência que esse é um argumento que até mesmo ajuda a entender a multiplicidade dos espelhos, visto que os retratos são, entre si, muito diferentes.
Neste jogo de convencer o leitor de que a sua tese é correta, que os espelhos têm o poder de enganar, o autor diz que se deve duvidar dos olhos porque eles são a porta do engano. Os olhos viciam-se com os defeitos e os entendem como natural. A cada vez que se olham, os olhos acostumam-se mais com a imperfeição da imagem que vêem. O eu-lírico usa o exemplo de Narciso, quando diz que Tirésias havia predito àquele que viveria apenas enquanto não visse a si mesmo. Diz ainda que o rosto é um movimento deceptivo constante e que se compõe das diversas máscaras sobrepostas que formam o disfarce do rosto.
Para entender o motivo de seus questionamentos, o emissor tenta comparar suas idéias com a de povos do interior, por exemplo, povos do sertão. Estes diziam, por crendice ou lenda, que olhar-se as horas da morte significava ver algo no espelho, alguma outra medonha visão, se não apenas a do observador. Questiona também se o seu medo é genético, se ele não seria, então, “a revivescência de impressões atávicas". Ou se os primitivos tinham alguma influência sobre ele, já que estes tinham receio em ver a imagem refletida, como se o reflexo fosse a própria alma sendo encarada.
Embora tudo pareça meio imaginativo, o eu-lírico não é um nefelibata. Pelo contrário, é racional, mantém-se sempre aliado as idéias reais, "pisa o chão a pé e patas". "Satisfazer-me com fantásticas não-explicações? — jamais. Que amedrontadora visão seria então aquela? Quem o Monstro?" Nessa frase, a visão amedrontadora seria a experiência inicial, quando estava em um banheiro público e viu uma imagem repulsiva, horrenda, em dois espelhos que faziam jogo entre si. E a reflexão era ele mesmo, uma imagem que assustava, o seu próprio protótipo de imagem.
Desde então, começou a intensa busca do "eu por trás de mim" nas imagens que se refletiam. A intenção do emissor era parar de olhar com afeto para o que via e começar a buscar um modelo subjetivo. Era necessário conseguir fazer transparecer o disfarce, conhecer a verdadeira forma. Pensou em algumas táticas para obter esse eu verdadeiro: teria de tirar todas as características físicas do rosto para adentrar no seu eu. Começou extraindo a idéia animal da face, logo as marcas hereditárias, os efeitos de paixões, pressões psicológicas e gradativamente tudo o que pudesse dissimular a sua figura e esconder em máscaras o que pretendia encontrar.
Conseguia realizar o feito conforme excluía os elementos que desfiguravam, perto de encontrar sua essência.

"Minha figura reproduzia-se-me lacunar, com atenuadas, quase apagadas de todo, aquelas partes excrescentes."

Após anos de tentativa, o eu-lírico se sente mal, tendo distúrbios físicos, e suspende a experiência: deixa de olhar-se ao espelho por tempos a fio. Abandonou a idéia de busca incessante da identidade através da insólita pesquisa com o qual se entretinha por tanto tempo. Um certo dia, quando decide olhar-se novamente, não se viu. Não tinha formas, contornos ou um rosto visível. Foi sendo, então, poros até a total desfigura, a anulação da imagem. Até mesmo os olhos, que são imutáveis frente ao espelho, não eram mais vistos.

"Eu não tinha formas, rosto? Apalpei-me, em muito. Mas, o invisto. O ficto. O sem evidência física. Eu era — o transparente contemplador?"

Passaram-se tempos e sua figura não voltava, continuava uma imagem sem forma a encarar-lhe no espelho, o nada. Depois, enfrentou-se de novo. Foi vendo-se devagar, iluminando-se. Era um esboço mal feito de rosto, um quase rosto de menino.
Permanecer com feições infantis é praticamente ser capaz de originar-se de si por si mesmo constante e incessantemente. Como se ele tivesse encontrado a proto-imagem, uma única essência a qual poderia modificar: a essência infantil e inocente de uma criança. Uma mudança que vai do resultado da destruição à possibilidade de uma construção, de continuar as imagens que teve, ou uma nova imagem ingênua, sem máscaras, construída a partir da desconstrução de tudo o que o personagem havia sido até então.
O objeto de análise do conto não é o acontecimento, a horrenda visão no lavatório público, muito menos a experiência em si, mas o espelho. O tema do espelho, como imitação da vida, esteve sempre relacionado com o auto-conhecimento. O objeto é, antes de tudo, uma forma do nosso próprio olhar cruzar consigo próprio, voltando-se para si mesmo. Ou seja, cada ser possui um duplo que o contempla no mesmo momento em que é contemplado.
Este processo enfrentado pelo sujeito é essencial para a descoberta da relação eu/mundo, eu/própria identidade e os problemas que assolam grande parte das pessoas no geral. O verdadeiro eu só poderia ser encontrado através e diante do espelho pois é nele que conhecemos a nós mesmos e torna-se possível o estudo da relação imagem e semelhança.
O autor, no final do conto, ainda pergunta ao receptor se ele nunca compreenderá o fato que ocorreu, como o início do projeto de auto-conhecimento no qual ele este se enveredou, o tempo que passou sem olhar os espelhos e, por fim, a imagem infantil e desprovida de marcas de idade, de expressões que identificariam pedaços da vida e que não são mais que um simulacro de si mesmo. Só entenderia e maior essência da transcendência quem também tivesse experimentado a arte de se conhecer.
Guimarães com sua inovação na linguagem e ao mesmo tempo com sua erudição, incita o pensamento de chegarmos ou não a existir, questionando também o fato de crermos naquilo que parecemos ser e na possibilidade de tudo não passar de máscaras. Existir, nesse inteligente conto, significa nada mais que um complicado e doloroso processo de auto-plasmação da alma, uma experiência séria que consiste numa constante retirada de tudo o que limita o crescer do homem em sua jornada, levando-o, enfim, a necessidade de se achar realmente nesse objeto enganador e cruel a que chamamos de espelho.


Aline de Macedo Manhães - LEA

Pequena análise do poema "Ao Leitor", de Charles Baudelaire

Por Flora Tarumim

Ao leitor
Charles Baudelaire
(tradução de Ivan Junqueira)

A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez,
Habitam nosso espírito e o corpo viciam,
E adoráveis remorsos sempre nos saciam
Como o mendigo exibe a sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.
Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente o nosso espírito consola,
E o metal puro da vontade então se evola
Por obra deste sábio que age sem ser visto.
É o Diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo o que repugna uma jóia encontramos,
Dia após dia, para o Inferno caminhamos,
Sem medo algum dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para expremê-la qual laranja que se enruga.
Espesso, a fervilhar, qual um milhão de helmintos,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce,
E ao respirarmos aos pulmões a morte desce,
Rio invisível, com lamentos indistintos.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.
Em meio às hienas, às serpentes, aos chacais,
Aos símios, escorpiões, abutres e panteras,
Aos monstros ululantes e às viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios imortais
Um há mais feio, mais iníquo, mais imundo
Sem grandes gestos ou sequer lançar um grito,
Da Terra por prazer faria um só detrito
E num bocejo imenso engoliria o mundo;
É o Tédio! – O olhar esquivo à mínima emoção
Com patíbulos sonha, ao cachimbo agarrado.
Tu conheces leitor, o monstro delicado,
— Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão!”


O poema “Ao leitor” de Charles Baudelaire descreve de maneira grandiosa o tédio. As duas primeiras estrofes descrevem a conturbada alma humana. Sensível, o espírito humano é contraditório nas suas posturas diante do mundo. O pecado, presente desde o primeiro verso “A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez,”, parece o combustível da vida. Poderemos observar isso ao longo da análise do poema. É importante aqui ressaltar que o eu-lírico não se posiciona afastado dos comportamentos que descreve, mas pelo contrário, só é capaz de falar sobre isso com tamanha senhoria porque os identifica com ele próprio. Em “Habitam nosso espírito e o corpo viciam,” é usado o pronome possessivo “nosso”. A idéia de pertencer também ao eu-lírico vai se repetir ao longo de todo o poema com verbos conjugados na segunda pessoa do plural. No verso seguinte a estranheza da construção “adoráveis remorsos” suscita logo a contrariedade comportamental do ser humano. Ao mesmo tempo que sentimos remorso e culpa, os achamos adoráveis! Essa estranheza continua na estrofe seguinte:

“Fiéis ao pecado, a contrição nos amordaça;
Impomos alto preço à infâmia confessada,
E alegres retornamos à lodosa estrada,
Na ilusão de que o pranto as nódoas nos desfaça.”


Somos fiéis ao pecado apesar da contrição; julgamos aqueles que confessam e admitem viver com a desonra; sabemos que a estrada é emporcalhada e, no entanto, retornamos alegres à ela; choramos para desfazer nossas nódoas mas sabemos que isso não passa de uma ilusão, uma falsa esperança.

Eis que na terceira estrofe surge Satã Trismegisto:

“Na almofada do mal é Satã Trismegisto
Quem docemente o nosso espírito consola”


Esses versos me trazem à mente a mãe. Deitada no colo da mãe a criança se acalma no cafuné e se sente segura novamente para dormir. Na seqüência, a caracterização do Satã como sábio, “Por obra deste sábio que age sem ser visto”, nos deixa transparecer como o eu-lírico tem o tédio em alta estima. A estrofe seguinte traz mais uma vez o tinhoso como agente e nos coloca como peões nos jogos satânicos. “Em tudo o que repugna uma jóia encontramos” nos diz que apesar dos pesares nunca é só danação. Sempre há o que regozije, o que vale a pena. “Dia após dia, para o Inferno caminhamos, /Sem medo algum dentro da treva que nauseia.”

A estrofe seguinte nos retrata como verdadeiros vampiros, buscando tirar o máximo, exaurindo qualquer coisa que nos pareça proveitosa “Furtamos ao acaso uma carícia esguia /Para expremê-la qual laranja que se enruga”. Assim, não longe estamos dos demônios que se comportam como vermes se multiplicando em nosso pensamento, em nossas atitudes. Na sétima estrofe o autor desarma aqueles que até o presente momento tinham negado tais comportamentos

“Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.”


Chama de covardes aqueles que não arriscaram, que não se permitiram sentir. Na oitava estrofe entramos na alcova do tédio. O autor descreve os seres que habitam a mesma esfera que o tédio “No lodaçal de nosso vícios imortais”, animais peçonhentos, carniceiros, desprezíveis, feras e monstros. Chega o tédio como um homem grande e preguiçoso e de olhar desdenhoso. A antropomorfização do tédio nas duas últimas estrofes é espetacular e digo antropomorfização porque acho que só o homem tem gestos, principalmente, além de fumar cachimbo e sonhar. O arremate inesperado, o diálogo direto com o leitor, a paridade, tudo converge para um desfecho estupendo, perfeito para os seus propósitos de poema de abertura.


Flora Tarumim 108057484


BAUDELAIRE, Charles - As flores do mal, ed. nova fronteira

google.com
wikipedia.org

Sozinho na multidão - uma análise de "As multidões", de Charles Baudelaire

Quando se fala em poesia francesa, o primeiro nome que vem à cabeça de qualquer um é Charles Baudelaire. Ele foi um dos poucos franceses cuja obra poética teve repercussão mundial; a maior parte dos franceses da literatura conhecida mundialmente são autores de romances e outras obras em prosa. Uma das razões para o amplo alcance da obra de Baudelaire é o fato de este ser um dos inauguradores da corrente simbolista.

Dentre os aspectos que caracterizam o simbolismo, está o subjetivismo, que aumenta em comparação com o movimento realista. Os artistas deixam de lado a representação da realidade e adotam o ponto de vista de um indivíduo. Além disso, as obras simbolistas são conhecidas por abusarem de imagens. No entanto, essas imagens não têm como propósito exprimir uma ideia ou sentimento; elas têm por objetivo provocar uma reação no leitor, seja ela boa ou ruim. Para os simbolistas, o mais importante não é o que é dito, mas como é dito e o que isto causa ao leitor.

Como não é possível analisar a obra de Baudelaire em sua totalidade, apenas uma parcela ínfima, porém importante, foi selecionada para análise: o poema em prosa “As multidões”. Já no primeiro parágrafo da obra, é possível perceber a peculiaridade da imagética que está presente no legado literário de Baudelaire:

“Nem a todos é dado tomar um banho de multidão: gozar multidão é uma arte; e só pode fazer, à custa do gênero humano, uma farta refeição de vitalidade, aquele em quem uma fada insuflou, no berço, o gosto do disfarce e da máscara, o horror ao domicílio e a paixão da viagem”

Primeiramente, o autor faz uso da imagem “tomar um banho de multidão”. A ideia de se banhar com uma multidão a princípio causa estranhamento ao leitor, principalmente quando é afirmado que nem todos são capazes de tal ação, o que nos permite inferir que muitos a fazem. No entanto, no decorrer da leitura, a intenção do uso de tal verbo torna-se mais clara. Quando nos banhamos, nós mergulhamos e nos misturamos com a água. A expressão “tomar um banho de multidão”, portanto, significa dizer que ao fazê-lo, a pessoa mergulha na multidão e se mistura com ela, não sendo mais possível identificá-la entre tantas pessoas aglomeradas.

O jogo de palavras antagônicas, que também é característico do simbolismo, torna-se evidente no parágrafo seguinte, na seguinte frase, que é o principal conceito da obra: “quem não sabe povoar a sua solidão também não sabe estar só em meio a uma multidão atarefada”. A partir da citação, podemos inferir que o eu-lírico (se assim podemos chamá-lo) defende que as pessoas necessitam aprender como tirar proveito dos momentos de solidão e dos momentos em meio à multidão. Sendo assim, elas estariam povoando a sua solidão, o que poria fim ao sentimento angustiante que a solidão provoca em muitos, e aprendendo a estar só na multidão, o que permite que elas tenham um momento de paz que só a solidão propicia, mas em meio a um mar de pessoas. Ainda, é possível encontrar outras ideias paradoxais no texto, como “sagrada prostituição da alma”.

A imagética também é bastante forte nos parágrafos subsequentes. No quarto parágrafo, por exemplo, é afirmado que aquele que tem por gosto passear solitário pelas multidões “conhece gozos febris, de que estarão privados para sempre o egoísta, fechado como um cofre, e o preguiçoso, encaramujado feito um molusco”.

No terceiro parágrafo, o autor destrincha a ideia inicial do texto. É elucidado quem são os incapazes de se misturar com a multidão: os poetas. O autor desenvolve a ideia de que os poetas são muito diferentes das outras pessoas e, portanto, não conseguem se tornar invisíveis na multidão. Eles apresentam uma visão de mundo diferente, além da incomparável capacidade de ser eles mesmos e outras pessoas ao mesmo tempo, devido à sua alma poética, que assume diferentes personalidades.

No final do poema em prosa, Baudelaire afirma que não há felicidade equiparável à daqueles que vivem em reclusão e, no entanto, que sabem aproveitar o prazer das multidões, pois são de certo capazes de povoar a solidão e estar só na multidão. A obra é encerrada com a seguinte construção: “e, no seio da vasta família que seu gênio criou, eles devem por vezes rir daqueles que lhes deploram o destino tão agitado e a vida tão casta”. A colocação dessa estrutura ironiza aqueles que ridicularizam a vida dos eremitas, pois após concluir a leitura de “As multidões”, é possível perceber que nem os mais felizes o são tanto como aqueles que sabem lidar com o principal conceito da obra, que possibilita aos reclusos o deleite da “inefável orgia” quando em meio à multidão.


BIBLIOGRAFIA

BAUDELAIRE, Charles. As multidões. In: Pequenos poemas em prosa. Ed. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 1976.,

VALÉRY, Paul. The position of Baudelaire. In: Baudelaire: a collection of critical essays. Prentice-Hall, Inc.: Englewood Cliffs, 1962.

www.palpitar.com.br/download.php?file=Multidoes.pdf Acessado em 27 de junho de 2009.


ALUNA: Bianca Freitas de Jesus

DRE: 107366076

Teoria Literária III - turma de 3ª feira/7:30h