segunda-feira, 29 de junho de 2009

Sobre Tradução baseado na análise do poema "She was a phantom of delight" de Wordsworth

She was a Phantom of delight
W. Wordsworth


SHE was a Phantom of delight
When first she gleam'd upon my sight;
A lovely Apparition, sent
To be a moment's ornament:
Her eyes as stars of twilight fair;
Like twilight's, too, her dusky hair;
But all things else about her drawn
From May-time and the cheerful dawn;
A dancing shape, an image gay,
To haunt, to startle, and waylay.

I saw her upon nearer view,
A Spirit, yet a Woman too!
Her household motions light and free,
And steps of virgin liberty;
A countenance in which did meet
Sweet records, promises as sweet;
A creature not too bright or good
For human nature's daily food,
For transient sorrows, simple wiles,
Praise, blame, love, kisses, tears, and smiles.

And now I see with eye serene
The very pulse of the machine;
A being breathing thoughtful breath,
A traveller between life and death:
The reason firm, the temperate will,
Endurance, foresight, strength, and skill;
A perfect Woman, nobly plann'd
To warn, to comfort, and command;
And yet a Spirit still, and bright
With something of an angel light.


Ela era um espírito de alegria
(Tradução: John Milton e Alberto Marsicano)

Ela era um espírito de alegria
Quando a vi no primeiro dia;
Bela aparição brilhante
Enviada ao encanto do instante
Seus olhos como o crepúsculo sereno;
Como o crepúsculo, seu cabelo moreno;
E tudo mais que a envolvia
À aurora e à primavera pertencia;
Forma dançante, imagem a alegrar?
A surpreender, assolar e assombrar.

Olhei-a de perto, lá estava ela,
Um espírito, mas também uma donzela!
Seu movimento, leve, solto e frugal,
E passos de liberdade virginal;
No semblante se encontram as nuanças
Das doces promessas e doces lembranças;
Criatura nem brilhante ou boa demais
Para os afazeres cotidianos e normais,
Ou o sofre passageiro e simples desejos,
Louvor, culpa, amor, lágrimas, sorrisos e beijos.

Com os olhos tranqüilos posso contemplar
Desta máquina o verdadeiro pulsar;
Um ser que, pensativo, respira forte;
Um viajante, em meio à vida e à morte;
A razão firme, a vontade temperada,
Uma perfeita Mulher soberbamente forjada;
Paciência, visão, habilidade e poder,
Para alertar, confortar e reger;
E ainda, um espírito com fulgor magistral,
Como algo na luz angelical.



Apesar de ser considerada uma atividade secundária, dando-se mais valor ao autor do que ao tradutor, a tradução é extremamente importante, pois tem papel constitutivo na literatura. É ela que vai permitir à obra ser lida em várias partes do mundo além do seu lugar de origem (viagem da obra no espaço) e sobreviver através dos tempos, pois uma obra que se espalha por vários lugares através de sua tradução (ato de traduzir) tem menos chance de se extinguir do que aquela sem tradução (ato de traduzir) (viagem da obra no tempo), porque, quando um texto se espalha por vários lugares, a tradução é o meio mais comum de leitura (ato de ler) dele.

O desenvolvimento do tema tradução é feito com base na análise do poema “She was a phantom of delight” de William Wordsworth, poeta do Romantismo inglês.
Apesar de esse poema ser do século dezoito, em seu original não há hipérbatos, característica mais comum nos textos dos séculos passados do que nos de hoje. Mas os tradutores optaram por incluí-los na tradução (texto) para que tivesse a possibilidade de demonstrar que o poema é antigo. Um exemplo disso são a passagem “The very pulse of the machine” (linha 22) e “Desta máquina o verdadeiro pulsar” (linha 22).

Outro ponto importante em tradução é o tradutor revelar um sentido oculto, implícito no original. Um exemplo disso é a tradução da palavra “Woman” (linha 12) por “Donzela” (linha 12), que significa mulher virgem. A palavra “Woman”, que significaria mulher, por estar com letra maiúscula, não significa apenas isso, mas uma mulher excepcional, que assim é até por ser virgem, pois a virgindade no poema é considerada uma pureza, o que pode ser demonstrado no fragmento “E passos da liberdade virginal” (linha 14). A virgindade é considerada uma liberdade por a mulher não estar ligada ao e, nesse sentido, presa ao sexo. Como a palavra liberdade tem uma conotação positiva no poema, pois o eu-lírico não vê defeitos na tal mulher, a virgindade é considerada uma pureza. Voltando à questão da adequação ao tempo da poesia, o poeta poderia ter optado por senhorita, por exemplo, que é uma palavra atual, mas quis adequar a tradução ao tempo do poema. Mas, com esse exemplo, o poema perderia em beleza poética. Se o tradutor optasse por uma tradução mais moderna, o ideal seria encontrar uma palavra que fosse atual e ao mesmo tempo poética, tarefa nada fácil.

O tradutor sempre mantém o sentido original ou o transforma em um sentido próximo a ele. Nesses dois casos, o tradutor pode traduzir a obra palavra por palavra ou usar suas próprias palavras. Aquela tradução é diferente em cada um dos casos. No caso de transformar o sentido, aquela tradução se dá quando o autor só tem uma palavra de sentido próximo como opção para traduzir alguma palavra. A tradução palavra por palavra, traduzindo cada palavra por seu significado mais óbvio, sem sequer alterar a ordem das palavras, omiti-las ou acrescentar palavras não é encontrada no poema. Um exemplo de tradução palavra por palavra é o seguinte: “With something of angelic light.” (linha 30) e “Com algo da luz angelical” (linha 30). Nessa tradução, houve o acréscimo do artigo “a” para tornar tal luz mais próxima do leitor e até mesmo da mulher do poema, melhorando o sentido do original, pois a mulher, no poema, além de já ser um espírito, considerado no poema um ser mais evoluído que o ser humano, está próxima de se tornar um anjo, um ser ainda mais evoluído. Essa tradução mostra como uma tradução pode ser uma evolução do original. O contrário também se verifica no poema: “Her eyes as stars of Twilight fair;” (linha 5) e “Seus olhos, como o Crepúsculo sereno;” (linha 5). Nesse trecho, ao se retirar a palavra “stars”, o sentido original do poema é alterado para pior, pois os olhos da mulher perderam brilho. Além disso, perde-se em lirismo, pois a palavra “stars” traz mais emoção ao trecho. Uma demonstração de tradução em que o tradutor usa suas próprias palavras sem alterar o sentido é: “I saw her upon nearer view,” (linha 11) e “Olhei-a de perto,...” (linha 11). Embora nesse verso o tradutor acrescente outras palavras, ele traduz o trecho original separadamente do que ele acrescenta. Se o tradutor fosse traduzir palavra por palavra, o resultado seria: “Eu a vi numa visão mais próxima”. A seguinte tradução evidencia como o tradutor pode transformar o sentido original em um próximo a ele: “A lovely Apparition,...”(linha 3) e “Bela Aparição brilhante”(linha 3).

Dentro do contexto dela, a palavra “lovely”, em português, é amável. Essa palavra foi substituída por “bela” e “brilhante”, que não têm o mesmo significado, mas outros que estão bem ligados ao de amável. A aparição é amável por ser bela e brilhante.

Walter Benjamin, autor de textos sobre tradução, postula que o tradutor deve fazer de tudo para atingir a “língua pura”, que é uma única língua de sentido para original e tradução, ou seja, acha que o tradutor deve igualar o sentido da tradução ao do original, sendo, portanto, contra a transformação do sentido.

A maioria das traduções (texto) possui sua especificidade (cada tradução possui a sua), como se pode perceber nos exemplos do poema já citados e ainda por vir. A tradução pode ser considerada um outro, novo texto e, nesse sentido, um original. A especificidade dela pode ser gerada por dois fatores: a cultura de um tradutor e seu modo de pensar. Dentro do modo de pensar, tem-se o estilo próprio (sem tradução palavra por palavra, pois assim se imita o estilo do original) de cada tradutor, que é considerado, por exemplo, para o escritor e tradutor Millôr Fernandes imprescindível: “Não se pode traduzir sem ser escritor, com estilo próprio, originalidade sua, senso profissional. Não se pode traduzir sem dignidade.”

Uma tradução que representa uma adequação à cultura do tradutor e do seu leitor (quando ele tem a mesma cultura que o tradutor) é: “From May-time and the cheerful Dawn;” (linha 8) e “À Aurora e à Primavera pertencia;” (linha 8). Se a palavra “May-time” fosse traduzida por “tempo de maio”, dentro da nossa cultura o significado seria completamente diferente. A época de Maio, para nós, representa o outono, uma época nublada e com as árvores perdendo folhas, muito diferente do que o poeta quis dizer, primavera, que é uma época de sol em que as plantas se encontram no auge de sua beleza. Assim, a tradução por “Primavera” faz com que se mantenha o sentido original.

Um exemplo do estilo próprio do autor está no trecho: “A countenance in which did meet/Sweet records, promises as sweet;”(linhas 15 e 16) e “No semblante se encontram as nuanças/ Das doces promessas e doces lembranças;”(linhas 15 e 16). O tradutor demonstra estilo próprio ao acrescentar a palavra “nuanças”, evoluindo o original em termos de beleza poética.

Algumas vezes o tradutor opta por não traduzir determinada palavra por seu significado mais óbvio, podendo haver um motivo ou não, sendo apenas por estilo próprio. Uma demonstração desse tipo de tradução motivada está no próprio título do poema: “She was a phantom of delight” e “Ela era um espírito da alegria”. A tradução mais óbvia para a palavra “phantom” seria “fantasma”, mas essas duas têm significados meio diferentes. A palavra “fantasma” pode dar mais a ideia de um espírito assustador do que “phantom”. Logo, se o tradutor optasse por fantasma, poderia dar mais margem a uma interpretação oposta à correta, que é de um espírito que encanta, dá prazer. Também nele, encontramos um exemplo desse tipo de tradução desmotivada na tradução de “delight” por “alegria”. A palavra delight poderia ser perfeitamente traduzida por “prazer”. Na tradução por “alegria”, o sentido original mudou.

Rosemary Arrojo, autora de textos sobre tradução, questiona a sacralização do original. Ela diz que uma obra não perde valor se for traduzida com as próprias palavras do tradutor, ao invés de uma tradução palavra por palavra. Algumas vezes este tipo de tradução, procurando-se manter o sentido original, se torna inviável, como, por exemplo, na tradução do verbo inglês “to miss”. Não existe uma palavra única no português que traduza esse verbo, podendo ser traduzido, por exemplo, como “sentir saudade”, que não é a mesma palavra. Se na nossa língua houvesse um verbo como “saudadar” significando “sentir saudade”, aí sim, poderia o verbo “to miss” ser traduzido pela mesma palavra.

Pode ocorrer de duas ou mais palavras de línguas diferentes ou da mesma língua terem o mesmo significado, mas se distinguirem no modo de significar, como as palavras brot (alemão) e pain (francês) que significam pão. Quando isso acontece, tais palavras não são substituíveis entre si. Um tradutor deve estar atento a essa diferenciação no modo de significar. Quando esse modo não está claro, implícito, o tradutor deve tentar fazer a distinção na sua tradução (texto) entre o que o autor disse (significado) e o que quis dizer (modo de significar).

Já que um texto pode ter várias interpretações, que dependem dos dois fatores já vistos anteriormente (cultura e modo de pensar), não devemos considerar nenhuma posição autoral ruim ou incorreta, a não ser que o tradutor mude o sentido do original para um distante.

A profissão de tradutor, se não for considerada tão importante quanto a do autor por falta de imensa criatividade, deve ser considerada pelo menos quase tão importante, pois sem ela muitos poderiam não ter o enorme conhecimento literário que têm.

Bibliografia:

Olher, Rosa Maria; Texto “original” e tradução – Tal pai, tal filha?
Furlan, Mauri; Linguagem e tradução em Walter Benjamin
Wordsworth, William; tradução de Marsicano, Alberto e Milton, John; O olho imóvel pela força da harmonia

Por Péricles Francisco de Oliveira Júnior
DRE:107366929

Um comentário:

  1. Péricles, gostei bastante do seu texto. Você abordou vários dos problemas suscitados pela atividade da tradução, pontuando com bons exemplos. A única observação que eu faria é quanto ao conceito de língua pura (ou pura língua) do Benjamin. Trata-se de um conceito bem mais complexo do que pode parecer à primeira vista, tendo várias conotações e nuances interessantes. Pena que não tivemos tempo de abordar esse texto em sala de aula. Mas o tabalho como um todo está muitp bom, parabéns. As notas seguem após a leitura dos trabalhos. Abraços e boas férias.

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